Quero ficar no teu corpo como tatuagem

Por Fátima Florido Cesar

E se não falas assim, de forma explícita, se não ages assim, carnal, serei jogada numa zona de obsceno abandono? Acreditarei que somos laços frouxos, enquanto sonho com estreitos nós? Mas aí é que está, grande tarefa da vida: saber ler nas entrelinhas, enxergar onde aparenta habitar o vazio os laços invisíveis. Aí é que está, se apurarmos nossa visão, por vezes rala, para ler nas entrelinhas poderemos enxergar os disfarces ali onde parecem pairar nó desfeito, linha dependurada, varais rompidos com suas roupas ao vento. Poderemos vislumbrar com nossa rara visão (porque também esta será capaz de ser de benfazeja acuidade) os caminhos que nos ligam, os afetos pungentes que equivocam corações sedentos de comunicações diretas. Anda mata adentro e descobrirás com júbilo a trilha oculta e desacreditada. Ali enxergarás, no lugar de aparente apatia, de lábios cerrados e braços cruzados e corpos reclusos, o laço que persiste e que acreditaste rompido. Crê que onde se apresenta a ausência, uma presença muda se oculta na sombra; onde vês e sentes o gelo, desconfia de chamas em descanso.

Há laços explícitos, ruidosos e laços invisíveis. Bem vinda a visita da fé que nos acalma para que possamos descansar e confiar que os laços sobrevivem. Bem vinda a visita da fé para que possamos sustentar a distância e acreditar no reencontro, do jeito que este for possível de acontecer. Como nos acorrentam as idealizações com suas demandas de um jeito único de ser e de se apresentar o afeto! Proponho: troquemos as idealizações por sonhos que nos auxiliem a aceitar o silêncio e aguardar a palavra. Mas se esta não chegar, procura onde ela se disfarça, em que gesto ela se oculta, em que indireta comunicação a esperança vibra.

Desconfia das aparências e das superfícies. Não é só no que nada vemos que nos equivocamos: somos silêncio e barulho, ternura e unhas afiadas, amor e ódio. O amor – este que idealizamos puro – é de textura complexa: guarda ódio, ausência, delicadeza e gestos bruscos. Ah…aceitar esse emaranhado…Apenas desconfia que onde se apresenta apatia e inércia leia necessária e provisória morte e continua crendo que a vida pulsa. Apenas desconfia de que a angústia e o medo se ocultam por trás da raiva e da indiferença. E se o outro recebe em silêncio a tua fala, “eu quero ficar no teu corpo como tatuagem”, é porque ele sonha em segredo.

Um comentário sobre “Quero ficar no teu corpo como tatuagem

Deixe um comentário