Mamãe, você NÃO PODE ter medo!

Por Marion Minerbo

Julinha (dois anos) na cama, antes de dormir, de luz já apagada:

Eu não sei se seu tenho medo de dinossauro. Eu às vezes tenho medo de dinossauro… é, eu às vezes tenho medo de dinossauro… mamãe, por que eu às vezes tenho medo de dinossauro?

Ah, não sei, talvez porque tenha alguns dinossauros que sejam muito grandes e bravos…
-…

Eu também tenho medo dos dinossauros que são grandes e bravos!

Não, mamãe, você NÃO TEM medo! Você já é grande!

Hoje eu estava conversando com mamãe sobre um tema que não sai da minha cabeça: dinossauros. Tenho muito medo deles. Como um ímã, eles atraem vários sentimentos que tomam conta de mim, mas eu não sei muito bem o que são. Eles dão forma a coisas que me afligem porque ainda não fazem parte do meu Repertório Emocional. 

O lobo mau atrai como um imã meu medo de ser engolida pela mamãe. Ou será que é ao contrário? Eu é que gosto tanto dela que gostaria de comer ela inteirinha? Porque meu amor ainda é assim: quero guardar bem guardadinho tudo o que é bom e gostoso dentro de mim! 

Mas sinto que ela também me ama tanto que gostaria de me engolir. Vira e mexe morde meu pé e faz de conta que está mastigando e engolindo. Nestas horas, parece que quer que eu volte para dentro dela! E para falar a verdade, isso me apavora: que amor é esse, que quer me mastigar e me engolir? Percebe como o lobo é perfeito para atrair este tipo de medo? Mas eu também sei como me proteger do lobo mau. Mamãe e eu lemos muitas histórias sobre ele; por sorte, todas acabam bem, porque os caçadores não têm medo. Eles sempre ganham do lobo! 

Já com os dinossauros é diferente. São tão grandes, fortes e intensos que nem cabem no zoológico, como os outros bichos que conheço. Não cabem em nenhum lugar! São tão grandes e fortes que a espingarda dos caçadores não faz nem cócegas neles. São tão grandes e intensos que … que se parecem com mamãe. E às vezes com papai, que também é muito grande e muito forte. Com uma patada, qualquer um deles pode me esmagar, física e emocionalmente. 

E os dinossauros são ainda mais fortes do que eles. Ninguém consegue controlar a intensidade de sua braveza. Dá medo, né? Nossa, agora que eu falei sobre a falta de controle da intensidade, percebi que às vezes eu também não controlo as coisas que sinto! Parece que vou explodir de ódio, como um dinossauro bravo. Não é à toa que penso neles o tempo todo. 

Você pode não acreditar, mas no meu mundo as coisas não são fáceis. Como o meu Eu ainda não está muito firme dos pés, qualquer acontecimento um pouco mais intenso me afeta. E me afeta tanto que parece que vou desmoronar – que não vou dar conta de sobreviver às coisas horríveis que podem me acontecer. Por exemplo. Basta meus pais se afastarem por um tempo que começo a me sentir solta no espaço, como um planeta desgarrado, fora de órbita. E se pararem de gostar de mim, eu simplesmente morro.  Enfim, qualquer coisa que vem deles me tira da casinha – e no começo, quase tudo vem deles. 

Por isso, preciso muito acreditar que mamãe – que me conhece tão bem – pode me salvar de todos esses horrores. Sinto que minha vida está nas mãos dela, de tão poderosa que ela é. E isso tanto para o bem quanto para o mal: pode me salvar, ou acabar comigo. Quando está no modo “poderosa para o bem”, ela pode me salvar dela e do papai, de mim mesma e dos lobos e dinossauros. Basta um abraço apertado, e umas palavras de consolo num tom de voz amoroso e tranquilo, para que tudo se pacifique. 

Mas para que este abraço funcione, ela precisa me deixar acreditar que sabe tudo e pode tudo. O meu mundo depende disso. Sei que é arriscado colocar todas as minhas fichas nessa crença, mas por enquanto não tenho alternativa: se eu perceber que ela tem medo, simplesmente saio da casinha. E conheço muitos adultos que também são assim: acreditam que uma única pessoa, de quem dependem, não só pode tudo, como está lá justamente para salvá-los. 

Outro dia resolvi perguntar para mamãe se tinha medo de dinossauros. Eu tinha certeza de que ia responder que não, mas para minha surpresa – e decepção! – ela disse que sim. Fiquei insegura, é claro. Só que, mais do que tudo, fiquei furiosa! Como assim: ela, que me conhece tão bem, não percebeu que com aquele “sim” estava colocando meu mundo de cabeça para baixo? 

O que ela quer? Que eu abra mão da certeza apaziguadora de ter um anjo-da-guarda que vela por mim? Fiquei furiosa porque ela não percebeu que estava me colocando frente a uma tarefa impossível. Foi por isso que respondi com toda minha força: NÃO, mamãe, você não tem medo, você NÃO PODE ter medo! 

Pois, se acreditasse no que tinha acabado de ouvir de sua boca, eu ia ter que reorganizar meu mundo em torno de uma nova verdade: minha mãe é um ser humano como os outros e não pode tudo. Se fosse assim, eu teria que encarar a dura realidade de que estou nesta vida por minha conta e risco – e que ninguém pode me salvar. Em vez de responsabilizar mamãe por tudo de ruim e de bom que me acontece, eu teria que encarar que sou a única responsável por mim mesma. Tem tanto adulto que não consegue nada disso! 

Não, mil vezes não! – não estou pronta para essa mudança. Não quero – porque simplesmente não conseguiria – viver num mundo tão duro e árido. Repito: por enquanto, não quero, nem posso abrir mão dele. Ouviu bem, mamãe? 

Mas isso é só por enquanto. Daqui a alguns anos, você não só poderá, como deverá, me deixar perceber que não pode tudo. (Quem disse que é fácil ser mãe?) Mas ainda temos chão pela frente…

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