A miséria simbólica no campo do social

Por Marion Minerbo

O tema das agressões invisíveis se tornou muito visível com a pandemia. Ninguém enxerga o vírus, mas suas consequências são devastadoras. Há algum tempo, venho me interessando por outro tipo de agressão invisível que chamei de miséria simbólica. Que também tem consequências, tanto no nível do sujeito individual quanto no plano social.

A miséria simbólica é a condição de crise das representações que torna difícil pensar o mundo e a nós mesmos, seja na dimensão individual ou na social. Falta matéria prima para realizarmos o trabalho psíquico de transformar as forças psíquicas (pulsões) em sentido. Tal condição está ligada à crise das instituições que caracteriza a pós-modernidade. Mas antes de chegar à pós-modernidade, duas palavras sobre a modernidade.

As instituições da modernidade eram hierarquizadas, tinham a pretensão de serem donas da verdade, defendiam definições estreitas sobre o certo e o errado. Estou usando o termo “eram”, mas é claro que em muitos bolsões as instituições continuam funcionando desta maneira. Mas, de modo geral, dá para dizer que elas entraram em crise porque eram excessivamente rígidas. Não davam conta da diversidade das formas de subjetividade que buscam reconhecimento e legitimidade. Excluíam os que não se encaixassem nos supostos valores universais.

Com a crise das instituições, passamos a falar em Verdades – verdades que são relativas a como cada grupo se percebe, e percebe o mundo. Com isso, as minorias e outros excluídos passaram a ter voz, o que, obviamente, é um ganho. Um saudável ambiente libertário e progressista oxigenou as relações sociais.

Mas, como todo movimento pendular, ele inclui necessariamente uma passagem pelo outro extremo. É nele que reconheço a miséria simbólica. Aquilo que era um saudável relativismo se tornou um relativismo absoluto. Todas as referências são questionadas. Tudo o que é sólido desmancha no ar, para retomar a expressão de Marshal Berman. Isso pode ser vivido como liberdade, mas também como falta de chão.

Quando o pêndulo vai para o outro extremo, encontramos ideias libertárias e progressistas transformadas em ideologia, a ponto de se atacar qualquer posição divergente como manifestação autoritária. Reconhecemos a figura paradoxal do libertário progressista radical.

Além disso, já que não há verdades universais, o conceito de verdade se tornou em si mesmo ultrapassado, desnecessário, nocivo e até mesmo autoritário. E se não faz sentido falar em verdade, também não faz sentido falar em mentira. A mentira pode ser tratada como verdade, e a verdade como mentira. A única verdade legítima passa a ser aquilo que eu sinto que é verdade: a emoção é a única verdade.

Abre-se o espaço para a pós-verdade, para as fake news e para as várias formas de negacionismo. Não há mais fatos, ou melhor, os fatos não importam. Tudo o que importa são as opiniões, que não podem ser contestadas em nome da liberdade de expressão.

A miséria simbólica afeta a constituição da subjetividade. A situação é bizarra e angustiante porque temos que nos constituir em meio a referências paradoxais e contraditórias. Dou dois exemplos desse tipo de referência:

  • Há posições supostamente progressistas que, quando capturadas pela lógica esquizoparanóide, se tornam radicais e polarizadas. O paradoxo é que passam a atacar violentamente quem é considerado reacionário. Lembro aqui o episódio envolvendo a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, uma das grandes ativistas antirracismo. Um equívoco na análise do álbum da cantora negra Beyoncé fez com que fosse considerada racista e atacada nas redes sociais, o que é um absurdo.
  • E vice-versa: para afirmar uma posição progressista, é possível praticar uma tolerância absoluta, isto é, ser tolerante mesmo com quem é intolerante. Imaginem um congresso de geografia em que uma das mesas fosse composta por um geógrafo e um terraplanista, em nome da tolerância a diferentes pontos de vista. Seria um completo absurdo.

É muito difícil conseguir pensar, e agir, quando temos de nos apoiar nessa razão irracional, nessa razão pantanosa. Gastamos nossa energia correndo atrás do próprio rabo.

Percebe-se como é custoso ter de se constituir como sujeito em meio à miséria simbólica. Os enquadres são vividos como frouxos, incapazes de conter e de dar contornos ao Eu. É uma experiência angustiante.

Frente a essa angústia, que tipos de defesas serão mobilizadas pelo sujeito psíquico? Vou considerar dois fenômenos, a polarização e o conservadorismo, como respostas possíveis frente a essa angústia.

Obviamente esses fenômenos sempre existiram na história, e foram analisados por vários vértices: social, econômico, filosófico e político, entre outros. Qual seria a especificidade do olhar psicanalítico sobre eles?

Na linha de investigação aberta por Freud com O Mal-estar na Civilização, esses fenômenos podem ser vistos como soluções sintomáticas – como sintomas sociais que denunciam um mal-estar existencial profundo. Neste sentido, meu esforço é tentar entender como, e por que, tanto a polarização quanto o neoconservadorismo são “necessários” – necessários, obviamente, como defesa contra a angústia.

  1. Uma interpretação psicanalítica sobre a polarização

A polarização funciona de acordo com a lógica esquizoparanóide. Desde Klein, sabemos que uma das defesas possíveis contra a angústia de morte é a divisão do mundo em bom e mau.

Nesse sentido, a polarização pode ser entendida como resposta defensiva do sujeito individual e social frente a angústias de morte. Cria-se um inimigo, mas também um salvador, para lidar com a ameaça à sobrevivência que não se sabe o que é, nem de onde vem. A polarização possibilita, então, que se dê forma a uma ameaça informe.

Estou propondo a ideia de que o ato de transformar o outro em fonte de ameaça imaginária é defensiva frente a uma ameaça real, que não se sabe qual é, nem de onde vem.

Mas o que poderia ser essa ameaça real – e invisível –, para voltarmos ao tema do nosso Conversatório? Não tenho a menor competência para analisar a complexidade do cenário social, econômico e cultural no qual vivemos. Yuval Harari, em “21 lições para o século 21”, aborda esse sentimento de ameaça que parece paranoico, mas é real. Invisível, mas real.

A ameaça viria do sentimento generalizado de que somos manipulados por grandes corporações, mídias sociais e algoritmos. Tudo o que pensamos, sentimos e desejamos pode estar sendo inoculado em nós pelas forças do sistema. Nossas vidas nos foram sequestradas para servir à perpetuação de tudo o que está aí.

A ameaça viria também do sentimento generalizado de que, para sobreviver, o capitalismo predatório se alimenta do planeta, mas também das nossas vidas, que são espremidas até o bagaço. Vivemos com uma espada sobre nossas cabeças porque sabemos que, quando já não tivermos o que dar, seremos excluídos, descartados, e nossa existência será irrelevante.

A ameaça viria também da globalização, que se nutre da destruição das identidades locais, do comércio local, do artesanato, enfim, de tudo que caracteriza e permite a sobrevivência das identidades.

A teoria conspiratória em torno da vacina contra a Covid-19 ilustra como esse sentimento de ameaça generalizada, que não se sabe o que é, nem de onde vem, pode ser deslocado e projetado, defensivamente, em um objeto que se torna perigoso.

Segundo essa teoria, a vacina contra a Covid-19 inocula no corpo alguma coisa que serve para governos e/ou grandes corporações controlarem as pessoas. Como todo delírio, essa construção tem seu pé na realidade, mas se engana em um ponto. Os governos e as grandes corporações já controlam as pessoas. Não precisam de uma vacina para isso. Mas é sempre um conforto ao nosso narcisismo pensar que basta recusar a vacina para escapar deste controle. A função defensiva da teoria da conspiração é evidente. Ela nos dá a sensação de ainda termos alguma capacidade de autodeterminação.

Ao criar um inimigo com rosto, a polarização nos protege da angústia frente a ameaças sem rosto. Mas nos impede de perceber que todo mundo, não importa se é de direita ou de esquerda, está sendo manipulado, está sendo espremido pelo sistema, e será descartado assim que não puder produzir ou consumir

2. Uma interpretação psicanalítica sobre o neoconservadorismo

As instituições protegem nossa vida psíquica; quando estão em crise profunda, ficamos órfãos das narrativas que elas criam e sustentam. É fundamental acreditar em alguma coisa que dê sentido às nossas vidas, para não cairmos no vazio existencial. O relativismo absoluto das referências e dos valores na pós-modernidade produz um tipo particular de sofrimento psíquico, que é o desamparo identitário.

O neoconservadorismo pode ser visto como uma solução sintomática para esse desamparo identitário. É uma tentativa de voltar a ter instituições sólidas nas quais se possa confiar. Um esforço para empurrar o pêndulo para o outro extremo. Entende-se: frente à angústia da falta de chão, um movimento defensivo se torna “necessário”.

Surge, então, a afirmação autoritária de supostas verdades universais acerca do certo e do errado. Mas como a imposição desses valores é feita de fora para dentro, não resolve o problema, que é a miséria simbólica.

Claro que em muitas épocas e lugares houve grupos conservadores. Num contexto de miséria simbólica, os valores afirmados são rasos, concretos, colados na materialidade, na sensorialidade. Por exemplo, meninas vestem rosa e meninos vestem azul.

Mamãe vive só para mim?

Por Marion Minerbo

Julinha (3 anos) no carro indo para a escola e ouvindo a rádio USP.

– USP? O que é USP mamãe?

– USP é o nome da minha escola. Sabe que eu também tenho uma escola, que nem você?

– O nome da minha escola é Viva, e da sua é USP?

– Sim, isso mesmo. E lá na minha escola eu sou professora também, por isso tenho que sair de sexta-feira – é para dar aula na USP.

– Não, mamãe, isso não! Você não é professora também, você é só mãe!

***

Duas semanas depois, no mesmo ponto do caminho:

– USP! Mamãe, você tem alunos?

– Tenho, filha!

– E qual é o nome deles, mamãe?

*

Todos os dias mamãe me leva de carro para a escola. Gosto de ir para lá, de estar com outras crianças, de ter vida própria e… de não ter ela por perto o tempo todo. Gosto muito de ter um pouco de autonomia. Ainda bem que ela entende que eu já tenho uma vida própria.  

De vez em quando me pergunto o que mamãe faz quando não estou por perto. Acho que ela fica me esperando, né? Porque ela não é uma pessoa como todo mundo: é uma mãe! Sabe qual a diferença entre uma pessoa e uma mãe? Uma pessoa vai e vem, trabalha, faz coisas, come e bebe quando tem fome e sede, vê televisão, descansa. Uma pessoa é gente. Já uma mãe é completamente outra coisa!

Alguém muito inteligente inventou e colocou no mundo uma mãe para cada criança. Minto. Às vezes, é uma só para duas ou três crianças. Ainda bem que não é o meu caso. A minha foi inventada para que eu tivesse uma pessoa que não faz mais nada na vida além de se preocupar e se ocupar de mim.

A invenção funciona muito bem porque, para ela, eu sou a coisa mais linda e mais importante do mundo. Dá para ver isso no jeito que ela me olha. Completamente apaixonada. Se eu estiver mal, ela fica mal também. Por isso, ninguém precisa mandar, nem ameaçar, para que ela faça tudo por mim. É por livre e espontânea vontade que ela faz! E o melhor de tudo: parece que ela não tem outros desejos além desse. Não é maravilhoso?

Eu poderia jurar que, quando nasci, minha mãe assinou um contrato que diz que ser mãe é um job 😉 de dedicação exclusiva. É verdade que nas letras minúsculas da nota de rodapé estava escrito que isso só valia pelos 3 ou 6 primeiros meses. Mas não preciso me preocupar com esses detalhes. Para mim, o tempo ainda não significa nada. O que vale é um dia depois do outro.

Acho que está certíssimo minha mãe não ter outra ocupação além de cuidar de mim. Se tivesse, como poderia estar à minha disposição 24 horas por dia? Seria impossível! E para que teria outras ocupações, se cuidar de mim já a satisfaz plenamente? O que lhe daria mais alegria do que me ver feliz, de bem com a vida?

Uma mãe é uma invenção incrível por outro motivo: ela pode tudo. Simplesmente não tem limitações! Não é o máximo? Ela sempre dá um jeito de me entender, e de atender a todas as minhas necessidades. Nunca se cansa. Não precisa de nada, nem de ninguém. É muito forte. Não tem medo. Não sei se isso vale para todas as mães, mas com certeza vale para a minha.

Gosto tanto dela que um dia tentei arrancar seu nariz para colocar na minha boca. Você acredita que ela é tão forte que continuou inteira? Não lhe aconteceu nada! E nem chorou de dor, como eu faria. Que sorte eu tenho de não precisar me preocupar com o bem-estar dela!

Até a semana passada eu achava que quando estou na escola ela não fazia nada: só ficava me esperando. Como se ficasse congelada, uma estátua, e só voltasse a se mexer na hora de ir me buscar. Só que não. Descobri que ela também vai para a escola dela, que se chama USP. Achei estranho: uma adulta ter que ir para a escola? Ela tem que aprender coisas? Pensei que já soubesse tudo…

O que eu quero mesmo compartilhar com você é que fiquei passada quando descobri que minha mãe deseja, ou precisa de outras coisas na vida, além de mim. Como assim?! Então eu não sou suficiente para que ela se sinta plena? Como fui ingênua por ter acreditado nisso!

Confesso que essa ideia me fez sofrer. Era uma dor nova para mim: fiquei ofendida. Meu amor-próprio ficou amassado – como uma folha de papel amassada e jogada no lixo. E para piorar, fiquei com vergonha porque, obviamente, eu não sou suficiente para ela. Resumo da ópera: senti que não valia grande coisa, e essa é a pior coisa que uma criança pode sentir. Tentei imaginar que criança incrível eu teria que ser para ela não querer ir para a USP.

Como se não bastasse, minha mãe também disse – e parecia feliz! – que é professora. Ela tem alunos. Quer dizer que ela me deixa em casa para dar aula para eles! Nesse momento fiquei com raiva dela e dos alunos dela. Então está me trocando por eles? Vai ver que gosta mais deles do que de mim. Isso é a mais alta traição! Foi aí que protestei! Não, mamãe, isso não! Você não é professora também, Você é só mãe!

Durante duas semanas infernizei a vida dela, de tanta raiva. Também era um jeito de testar se ela me aguentava, ou se ia me abandonar. Ela foi firme, mas presente e carinhosa como sempre. Os dias foram passando e fui digerindo o choque. Pouco a pouco comecei a fazer as pazes com a ideia de que, além de ser mãe, ela é professora. Fui aceitando a ideia de que ela gosta de dar aulas para seus alunos.

Passei por uma verdadeira revolução subjetiva. Antes eu via as coisas de um jeito e agora vejo de outro, completamente diferente. Olha só que coisa incrível eu descobri: não ser sua única fonte de prazer não significa que eu “não sou suficiente”! A verdade é que isso me tranquilizou. Conheço muitos adultos para quem, se a pessoa amada não tiver dedicação exclusiva ou é considerado alta traição, ou entendem que é porque “não são suficientes”. Sofrem muito, coitados!

Duas semanas depois, quando já estava “de bem” com os alunos dela – e no mesmo lugar em que o carro passava no momento daquela… hum…  “revelação” – eu perguntei: e qual é o nome dos teus alunos, mamãe?

Maria e os dois corações

Por Simone Rothstein

Maria (5 anos e meio) e sua mãe passavam umas semanas na casa dos avós, depois que os pais se separaram. Num final de dia, Luisa, mãe de Maria, chega e encontra a filha sentada no corredor, no chão, bem juntinho à parede.

Luisa vai dar um beijo na filha, mas Maria parecia uma mini estátua, com o rosto tenso, não se mexia, não descolava da parede.

– O que houve, filhota? Porque você tá aí toda durinha, com uma cara…

– É que eu fiz uma coisa.

Maria se mexe e mostra pra mãe o que fez:

– Eu desenhei na parede, olha.

Maria tinha pego o lápis de cera vermelho e desenhado dois corações.

*

Eu tentei disfarçar. Não queria que minha mãe visse. Eu achei que ia levar uma bronca: “Maria, você não sabe que não pode desenhar na parede?!” Eu sei que não, justamente, mas não consegui me controlar. Bem, de qualquer forma, minha mãe também não brigou comigo naquela hora. Mas o fato é que eu que queria reclamar com ela e com meu pai: “Poxa vida, vocês não sabem que não podiam se separar? Vocês estão fazendo uma bagunça!” Essa situação dos pais se separarem é bem complicada. Ouve só:

Minha mãe já me explicou que eles não queriam mais ser namorados, mas que pra sempre vão ser meus pais, blábláblá! Só que agora eu já não sei mais se posso acreditar no “pra sempre”. Será que pra sempre ainda existe? Eu achava que pra sempre a vida era aquela vida que a gente vivia, naquela casa, na nossa casa. O meu quarto ao lado do deles, o banheiro na frente e depois tinha a sala onde a gente comia, via televisão, brincava. Nós três juntos. É muito estranho estar em outra casa e ter que achar que é uma casa e que a vida continua. Pra mim eu sinto como se fosse a casa daquela música, aquela que não tem teto, nem chão, nem nada! Só que eu não acho nada engraçada. Quando sinto isso, fico com muita raiva, porque eles tomaram uma decisão e eu não pude escolher. Se eu pudesse teria deixado tudinho do jeito que era, na mesma casa com meus pais juntos! Ah se eu pudesse… Se eu pudesse colar a gente naquela casa, como uma foto que não muda nunca, ah se eu pudesse colar os corações deles pros dois ficarem juntos cuidando de mim… pra sempre. Tem horas que me dá um aperto na barriga, que passa pelo peito e chega até a garganta. Outro dia pensei que se minha casa não é minha casa, minha família não é mais a mesma, Eu ainda sou Eu? Acho que foi num desses momentos que peguei o lápis e desenhei na parede.

Agora minha rotina é não ter rotina. Quando estou me divertindo com minha mãe, meu pai avisa que tá vindo me buscar. O contrário também acontece. Tô numa boa desenhando com meu pai e minha mãe interfona dizendo pra ele me levar na portaria. E aí dá uma confusão dentro de mim! Será que se minha mãe perceber que eu queria continuar desenhando com o meu pai, ela vai achar que prefiro ele. E meu pai, idem? Ai que sufoco! Não é que necessariamente eu prefira alguém (apesar de que tem horas que sim eu prefiro alguém!), mas será que a partir de agora tenho que ter dois corações para gostar de cada um separado?

E não é só isso que me deixa aflita, veja bem: Se minha mãe preferiu não viver mais com meu pai, será que ela pode preferir não viver mais comigo? Será que ela pode não gostar mais de mim? Isso realmente é um tema que me deixa aflita. Ou será que ao contrário ela vai ficar colada pra sempre em mim?! Isso já foi alguma coisa que eu quis quando eu era muito bebezinha, eu e minha mãe sendo uma só…, mas pensar nisso hoje nisso é beeeeem estranho!

Outra coisa que às vezes eu também penso é se ela pode ficar com raiva de mim porque eu gosto do meu pai e ele de mim e, ela é que pode acabar ficando sozinha? Acho que quando eu escondia o meu desenho na parede, eu tava duriiinha de medo de minha mãe brigar comigo, não só porque desenhei na parede, mas também tinha medo dela achar que eu fui o pivô da separação deles. Eu gostava tanto de estar só com o meu pai algumas vezes…

Nos últimos tempos, quando meus pais ainda eram casados, às vezes eu ficava com ciúmes da minha mãe porque meu pai dizia que eu era a princesa, mas de noite ele saia pra jantar com ela e não comigo. Sabe que eu até imaginei uma vez que eu ia dar pra ela uma maçã daquelas que a Branca de Neve comeu e quem sabe ela iria dormir e dormir… sozinha (tipo: morreu, mas não ficar com cara de morta) e eu é que ia dormir com meu pai. Eu acho que ela não sabia, mas eu adorava quando ela ia pra academia no sábado de manhã e eu podia ir pro clube só com o meu pai. Será que ela reparava? É por tudo isso que agora eu fico me sentindo culpada, será que de tanto querer que meu pai ficasse só comigo, eles se separaram?

É muita coisa que se confunde, muitos sentimentos que fazem uma bagunça dentro de mim, porque eu mal posso pensar neles, mas eu sinto! Mas, devagarzinho vou me acostumando. E no meio de tudo isso, tô começando a entender que eu sou pequena e não vou poder ser a namorada do meu pai. Quer dizer, só assim de brincadeira, eu a princesa e ele, meu príncipe. Aliás, não sei se você já ouviu falar que tem adultas que acabam ficando sozinhas porque só arrumam amores impossíveis?! Mas enfim, eu sou pequena e ainda não entendo muito do mundo adulto.

Então por enquanto, eu torço pra que meus pais compreendam isso, que tenham paciência comigo e que, se a gente não pode ficar mais juntos, e mesmo que eles não se amem mais, que pelo menos eles fiquem bem com o fato de que eu gosto muuuuito da minha mãe (mãe, você é minha musa!) e do meu pai, meu príncipe (mas não pra sempre!) Rsrsrs.

Não estou nem aí para os fatos

Por Marion Minerbo

Eu lavando louça e Julinha brincando na sala. De repente um barulho e uma choradeira. Fui ver o que aconteceu e ela vem chorando, mas muito brava.

– O que aconteceu, filha?

– Você me machucou!

– Eu te machuquei? Você caiu do sofá? Vem cá, deixa eu ver!

– Foi você que me machucou!

– Mas eu nem estava aqui, filhinha, estava lá na cozinha lavando louça… você deve ter tropeçado sem querer, né?

– Mas você me deixou cair!

(vinheta de Bruna Zerbinatti)

Eu estava brincando no sofá da sala, pulando e dando cambalhotas. De repente alguma coisa dura veio e bateu com força na minha cabeça. Fez um TUM, um barulhão. Doía muito. Eu estava no chão. Foi ele que bateu em mim? Ou foi mamãe? Para mim dá na mesma, pois tudo o que me acontece, de bom ou de ruim, vem dela. E além de tudo, quem é que foi posta no mundo para que nada de ruim me aconteça? Minha mãe, é claro! Culpa de quem, se está doendo? Dela!

Como se não tivesse nada a ver com isso, ela veio toda boazinha ver como eu estava. Mas eu estava brava, não quis colo nenhum. Quis, sim, tirar satisfações: por que ela fez essa maldade comigo? Mas com que palavras eu ia explicar para ela como estava vivendo aquela situação? Queria dizer que estava brava e magoada porque, mesmo sendo tão forte, tão poderosa, tão inteligente, tão linda, tão tudo, ela não quis me proteger. Que ela e o chão são a mesma coisa. E que, se o chão bateu em mim, é porque ela não fez nada para evitar isso. De propósito.

Como tudo isso é difícil de explicar, – até para mim mesma – eu resumi como pude dizendo: você me machucou! Ela não entendeu nada. Ou melhor, entendeu ao pé da letra. E veio com uma explicação racional, que serve para adultos, mas para mim não faz sentido nenhum. Disse que não pode ter sido ela, pois eu estava na sala, e ela na cozinha lavando louça. Quis me convencer de que diante daquele fato, eu só podia estar errada, e que “na realidade” eu tinha tropeçado e me machucado sozinha. Ou seja, ainda por cima a culpa de minha cabeça estar doendo era minha. Que absurdo!

Ainda não tenho 3 anos. O que é um fato? O que é uma “realidade”? Para mim, não tem muita diferença entre “dentro” e “fora”: tudo o que penso, sinto, imagino, desejo, “é”. Se eu acredito que um cachorro fala, eu escuto o cachorro falar. Quando quero mamãe só para mim, tenho certeza de que papai está bravo comigo. Quer dizer, as coisas “lá fora” se comportam do mesmo jeito que “dentro” de mim.

E tem mais. Na minha realidade não existem contradições do tipo: “se estou na cozinha, então não estou na sala”. Minha lógica emocional é a dos sonhos. Se minha mãe se lembrasse dos dela, entenderia que no mundo mental alguém pode perfeitamente estar numa sala que é também uma cozinha. Ela estava na cozinha-sala quando me machucou!

Funciono na lógica dos sonhos o tempo todo, mesmo quando estou acordada. Por sorte, muitas vezes mamãe usa a parte dela que sonha para me entender. Ontem mesmo eu disse a ela que vi uma árvore sorrir quando a menina colheu uma maçã para matar a fome – era um grande sorriso de galhos abertos. Ela entendeu e sorriu para mim, em vez de tentar me convencer de que árvores não têm sentimentos.

Quero contar mais uma coisa importante: minha realidade psíquica é invisível para meus pais, e até para mim. Mas ela é tão, tão real, que produz efeitos muito concretos – muito “de verdade” – na minha vida. Te dou dois exemplos. 1) Um dia tranquei minha mãe numa torre de Lego, e depois fiquei com medo de que ela estivesse triste e brava comigo. Precisei ir lá, onde estava trabalhando, para conferir como ela estava. 2) Ontem de noite tomava minha mamadeira e pensava: que bom que não estou sozinha, a mamadeira sabe como cuidar de mim. Fiquei realmente tranquila e consegui adormecer.

Percebe como estar aflita ou tranquila é um efeito direto dos “fatos” que acontecem na minha vida mental? Você já entendeu que tudo que penso é real, quer dizer, tem o peso e a força de uma verdade absoluta. Por isso não adianta argumentar, e fica parecendo que não estou nem aí para os fatos.

Achei bizarro o que ouvi meus pais comentando outro dia: que tem adultos que ainda pensam exatamente como eu, embora já devessem diferenciar fatos de sonhos ou pensamentos. Por exemplo, diziam que tem gente que acredita que a Terra é plana. Até eu sei que é redonda. Mas para eles é um “fato” incontestável.

Para mim, que ainda não tenho três anos, os fatos também são incontestáveis: o chão bateu na minha cabeça; minha mãe podia ter me protegido, mas não o fez; se não o fez, é porque não quis; se não quis, então foi de propósito – tanto que nem me pediu desculpas! É um sinal evidente de que não se importa comigo! Essa dor emocional me machucou mais do que a dor física. Foi isso que me deixou tão brava e magoada com ela.

Como ela não entendia, percebi que precisava ser ainda mais clara. Não adiantava continuar insistindo no fato de que me machucou, porque a realidade dela é diferente da minha. Então achei melhor tentar explicar que estava magoada porque não me protegeu de propósito. Ela para ela entender que, se se importasse comigo, não teria deixado isso acontecer. Então eu disse: Mas você me deixou cair! Deve ter entendido alguma coisa, porque me deu um abraço gostoso que eu traduzi como: claro que eu me importo com você!

Quando eu crescer, sei que não vou ter dúvidas de que quem está na cozinha, não está na sala. Mas espero que a vida não fique muito sem graça, e que, como os poetas, eu possa sonhar acordada de vez em quando.

Ufa, eles me encontraram!

Por Simone Rothstein

Era final de tarde de um sábado comum. João (3 anos) e seus pais entram numa livraria próxima ao prédio onde moram. Depois de folhear e selecionar alguns livros, os pais levam João à seção infantil, onde o deixam João brincar. O casal então se divide entre a passada de olhos nos livros escolhidos e alguma discussão irritada, mas bastante disfarçada, por estarem em local público. De repente percebem que João não está mais junto deles. “Cadê o João?!”

A procura pelo filho dura pouco tempo. Entre as estantes está João, observando o movimento dos pais.

*

“De novo, João?!” Essa é a primeira coisa que meus pais falam quando me encontram. Reclamam. Não sei dizer com que frequência acontece de eu fugir deles. Mas minha mãe tem razão, volta e meia eu fujo. Tenho meus motivos pra fugir, mesmo correndo o risco de me perder.

Se eu fosse um pouco mais velho eu é que iria perguntar pros meus pais: “De novo mãe, de novo pai?! De novo vocês brigando? Já pensaram sobre o que eu posso estar sentindo no meio desse fogo cruzado? Vocês parecem meus coleguinhas da creche brigando por causa da bola ou da boneca!” Mas ainda não consigo organizar todas essas ideias, sou pequeno e só sinto uma coisa bem ruim no meu peito.

Nessa última vez a gente estava na livraria. Eu gosto quando fazemos esse programa e sinto que meus pais também. Os dois gostam de ler e sempre leem pra mim na hora de dormir. Eu adoro, mesmo não sabendo direito se o mais legal é o livro ou ter a atenção deles inteirinha pra mim. Não importa, na verdade. Importa que estou com eles e isso me acalma.

Mas voltando à livraria, os livros parecem servir de escudo pra todos nós. Meus pais ficam ali se atacando e tentando disfarçar com o livro na frente do rosto pra ninguém reparar na briga. Mas então o que acontece? Eles simplesmente não podem me ver. Estão abduzidos pelo conflito, pela raiva do outro. Nessas horas eu não existo pra eles! Parece até que não se importam comigo.

Você tem ideia do que é para uma criança pequena como eu ter medo de que teus pais não se importem com você? Por que eles se importariam? Será que não seria melhor para eles se eu não existisse? Toda hora eles comentam que estão cansados. Vejo as brigas e… não sei não. Será que eu é que estou causando toda essa confusão? Afinal de contas, eles trabalham, chegam cansados e ainda tem que cuidar de mim. Será que eles podem ficar com raiva de mim por ter que me dar banho ou me colocar pra dormir? Será que eles podem ter raiva de mim porque isso obriga eles a serem adultos? Será que eu sou o culpado pelas brigas deles? Será que eu tenho que fazer alguma coisa para eles pararem de brigar?

Tem horas em que não importa qual é a razão, mas só de sentir que eles estão com raiva um do outro fico com muito medo. Meu chão treme, como um terremoto, sinto que posso afundar. Eu preciso de estabilidade, preciso dos meus pais firmes, confiáveis. E nesses momentos de briga não dá para saber o que vai acontecer nem com eles, nem comigo. Dá medo. Dá aquele sentimento ruim no peito que chamam de angústia. Você me entende?

Eles não percebem minha aflição. Ou percebem, mas não conseguem se controlar, o que é até pior. Acho que eles ainda não entenderam que as minhas fugas são a forma que eu encontrei de reclamar: “de novo vocês se perderam de mim, ficaram aí discutindo umas coisas que não entendo, mas que deixa vocês muito, muito longe; como duas crianças de quem eu é que preciso cuidar. Tão longe de mim que eu fico sem chão!”

Na hora em que eles saem correndo para me procurar, mesmo que eles estejam irritados, ah, que coisa boa! Em minutos eles cresceram e viraram meus pais de novo! Minha aflição pela briga acaba. Nesse momento eu vejo que me amam. Todo o risco que corri já valeu a pena por esse instante, por ter o olhar, o sorriso e a atenção deles, tudinho pra mim. Até a bronca que eu geralmente levo me conforta de algum jeito. Entendo que eles ficaram com raiva de eu ter fugido e com medo de não me encontrarem também. E se ficaram com medo é porque não queriam me perder. Sim, eles me amam!

Então, agora talvez você compreenda como eu sou esperto. Aliás, fazer isso na minha idade é coisa de menino “safo”. É o melhor jeito que posso dar considerando os recursos que tenho. Mas é curioso como existem até adultos que quando não conseguem lidar com situações complicadas também fogem. E eu que achava que só pessoas pequenas tivessem essas dificuldades!

Com as minhas fugas, consigo me afastar do medo de ser abandonado, da angústia que me dá quando meus pais brigam e, ao mesmo tempo, fazer com que eles parem de brigar e venham atrás de mim. É um estresse, mas que vem seguido de um alívio enorme. Qualquer coisa vale a pena para não ser engolido por aquele terremoto medonho!

Eu preciso fugir às vezes, sim, mas o que preciso ainda beeeeem mais é ser encontrado.

Quantos anos eu tenho mesmo?

Por Marion Minerbo

Volta às aulas depois da pandemia. Na primeira semana, a mãe fica junto na escola. Julinha sempre falando: “quando eu era bebê, eu chorava para ir para a escola” (na verdade, nunca chorou).

Segunda semana: chora muito na despedida, abre o berreiro, fica dizendo “eu preciso de você mamãe, eu preciso mesmo de você”. No primeiro dia, chora até vomitar.

Terceira semana: ao chegar à escola, diz: “mamãe, eu não preciso mais chorar, pode ir embora, agora vai porque hoje eu não preciso mais chorar” E evita olhar para ela e se despedir. De fato, nunca mais chora nem reclama para se despedir.

Quarta semana: “mamãe, hoje o Francisco chorou na escola e eu falei pra ele que ele não tem ‘obrigação’ de chorar porque ele SABE que depois ou o pai, ou a mãe ou a avó ou o avô vem buscar, ele não tem obrigação de chorar!”

*

Julinha (dois anos e nove meses)

Eu comecei a ir para a escola com dois anos. Ao contrário de muitos amigos, não chorei, nem estava com medo de ficar sozinha lá. Mamãe disse que depois vinha me buscar. E eu sabia que ela ia mesmo. Como ela nunca se afastou de mim por tempo demais, e como ela sempre voltou justo na hora que eu estava começando a ficar com medo, acabei confiando que ela vai, mas volta. Parece mágica, mas ela sempre sabe quando eu já estou começando a ficar com medo de estar sem ela!

Enfim, a escolinha fazia parte da minha vida, e eu contava emocionalmente com ela. Aí veio o coronavírus. Quando não pude mais ir para a escola, eu percebi como é importante ter um lugar para ir e construir minha vidinha. Como é importante essa rotina e esse ritmo de ir e voltar. A sensação boa de ter vida própria, conquistar coisas, e poder contar com o aconchego do lar vai ampliando meu Repertório Emocional. E também é muito bom ter outras pessoas na vida além da mamãe e do papai, mesmo que eles sejam, de longe, os mais importantes.

Foi muito difícil (e muito bom) passar todos estes meses de isolamento em casa só com a mamãe. Até que um dia ela disse que já podia voltar para a escola. Fiquei feliz, mas também com medo. Será que, depois de tanto tempo só nós duas (durante o coronavírus, o papai foi morar em outra casa) ela ficaria triste de ver como eu estava feliz em voltar para a escola? Será que eu tinha que chorar, só para ela saber que gosto e preciso dela? E eu, será que queria mesmo ir para a escola e ficar longe dela? E se ela for fazer as coisas dela, e me esquecer lá?

Na primeira semana, mamãe ficou comigo. Eu precisava disso porque, de um jeito estranho, eu tinha voltado a ter medo de ficar sozinha, como um bebê! Mesmo sendo grande, fiquei tanto tempo em casa (nove meses é uma grande parte da minha vida!) que eu já não lembrava que antes eu conseguia ficar sem ela na escola. Mas isso é muito difícil de entender, e mais ainda, de dizer. Então eu ficava repetindo que “quando eu era bebê, eu chorava para ir na escola”. Eu sei que não chorava, mamãe já tinha dito isso. Eu estava tentando dizer outra coisa, mas não encontrava as palavras.

Na verdade, eu estava tentando explicar que os bebês “têm o direito de chorar” quando começam a ir para a escola, e que eu queria ter o mesmo direito. Não queria ter que engolir meu medo só porque já sou grande. Aliás, os adultos também têm direito de sentir medo, embora muitos acreditem que é coisa de gente fraca.

E então, na segunda semana, quando mamãe foi embora, eu fiz um escândalo. Até vomitei de tanto chorar, porque eu tinha virado mesmo um bebê apavorado. Explicava para ela “eu preciso muito de você”, porque senão ela podia acreditar que já sou grande. Podia confundir minha idade cronológica com minha idade emocional. E podia se enganar, achando que, como eu já tinha me acostumado antes, agora eu não precisava mais dela. Enfim, ela poderia não perceber que, apesar de ter 2 anos e meio, eu também tinha só um ano.

Como ninguém ficou apavorado de me ver chorando tanto, como todos me aguentaram, e ninguém me obrigou a “ser grande logo”, eu cresci rápido. Em uma semana, voltei a ter 2 anos e nove meses, e já estava pronta para ficar sem ela. E então eu disse “mamãe, eu não preciso mais chorar, pode ir embora, agora vai, porque hoje eu não preciso mais chorar”.

Eu queria dizer que não precisava mais chorar porque todos tinham me permitido chorar à vontade. E isso tinha me fortalecido o suficiente para conseguir aguentar o meu próprio medo. Como me aguentaram, agora eu também podia me aguentar! E isso me ajudou a ampliar meu Repertório Emocional. Agora eu SABIA que alguém ia me buscar.

Na última semana eu já estava bem, mas o coitado do Francisco ainda chorava. Eu disse para a mamãe: “hoje o Francisco chorou na escola, e eu falei pra ele que ele não tem ‘obrigação’ de chorar porque SABE que depois ou o pai, ou a mãe ou a avó ou o avô vem buscar. Ele não tem obrigação de chorar!

Graças ao meu Repertório Emocional, eu podia empatizar com Francisco. Ele sabia, mas não SABIA, que alguém ia buscar ele. Tinha esquecido, como eu! Então ele achava que tinha a obrigação de chorar para mostrar o medo dele. Depois de tanto tempo sem escola, ele também tinha perdido a capacidade de ficar sozinho. Aquela conquista tinha sido perdida, tinha saído do Repertório Emocional dele! Como eu, ele precisava refazer o mesmo caminho que já tinha feito antes. Tomara que consiga!

Mamãe, você NÃO PODE ter medo!

Por Marion Minerbo

Julinha (dois anos) na cama, antes de dormir, de luz já apagada:

Eu não sei se seu tenho medo de dinossauro. Eu às vezes tenho medo de dinossauro… é, eu às vezes tenho medo de dinossauro… mamãe, por que eu às vezes tenho medo de dinossauro?

Ah, não sei, talvez porque tenha alguns dinossauros que sejam muito grandes e bravos…
-…

Eu também tenho medo dos dinossauros que são grandes e bravos!

Não, mamãe, você NÃO TEM medo! Você já é grande!

Hoje eu estava conversando com mamãe sobre um tema que não sai da minha cabeça: dinossauros. Tenho muito medo deles. Como um ímã, eles atraem vários sentimentos que tomam conta de mim, mas eu não sei muito bem o que são. Eles dão forma a coisas que me afligem porque ainda não fazem parte do meu Repertório Emocional. 

O lobo mau atrai como um imã meu medo de ser engolida pela mamãe. Ou será que é ao contrário? Eu é que gosto tanto dela que gostaria de comer ela inteirinha? Porque meu amor ainda é assim: quero guardar bem guardadinho tudo o que é bom e gostoso dentro de mim! 

Mas sinto que ela também me ama tanto que gostaria de me engolir. Vira e mexe morde meu pé e faz de conta que está mastigando e engolindo. Nestas horas, parece que quer que eu volte para dentro dela! E para falar a verdade, isso me apavora: que amor é esse, que quer me mastigar e me engolir? Percebe como o lobo é perfeito para atrair este tipo de medo? Mas eu também sei como me proteger do lobo mau. Mamãe e eu lemos muitas histórias sobre ele; por sorte, todas acabam bem, porque os caçadores não têm medo. Eles sempre ganham do lobo! 

Já com os dinossauros é diferente. São tão grandes, fortes e intensos que nem cabem no zoológico, como os outros bichos que conheço. Não cabem em nenhum lugar! São tão grandes e fortes que a espingarda dos caçadores não faz nem cócegas neles. São tão grandes e intensos que … que se parecem com mamãe. E às vezes com papai, que também é muito grande e muito forte. Com uma patada, qualquer um deles pode me esmagar, física e emocionalmente. 

E os dinossauros são ainda mais fortes do que eles. Ninguém consegue controlar a intensidade de sua braveza. Dá medo, né? Nossa, agora que eu falei sobre a falta de controle da intensidade, percebi que às vezes eu também não controlo as coisas que sinto! Parece que vou explodir de ódio, como um dinossauro bravo. Não é à toa que penso neles o tempo todo. 

Você pode não acreditar, mas no meu mundo as coisas não são fáceis. Como o meu Eu ainda não está muito firme dos pés, qualquer acontecimento um pouco mais intenso me afeta. E me afeta tanto que parece que vou desmoronar – que não vou dar conta de sobreviver às coisas horríveis que podem me acontecer. Por exemplo. Basta meus pais se afastarem por um tempo que começo a me sentir solta no espaço, como um planeta desgarrado, fora de órbita. E se pararem de gostar de mim, eu simplesmente morro.  Enfim, qualquer coisa que vem deles me tira da casinha – e no começo, quase tudo vem deles. 

Por isso, preciso muito acreditar que mamãe – que me conhece tão bem – pode me salvar de todos esses horrores. Sinto que minha vida está nas mãos dela, de tão poderosa que ela é. E isso tanto para o bem quanto para o mal: pode me salvar, ou acabar comigo. Quando está no modo “poderosa para o bem”, ela pode me salvar dela e do papai, de mim mesma e dos lobos e dinossauros. Basta um abraço apertado, e umas palavras de consolo num tom de voz amoroso e tranquilo, para que tudo se pacifique. 

Mas para que este abraço funcione, ela precisa me deixar acreditar que sabe tudo e pode tudo. O meu mundo depende disso. Sei que é arriscado colocar todas as minhas fichas nessa crença, mas por enquanto não tenho alternativa: se eu perceber que ela tem medo, simplesmente saio da casinha. E conheço muitos adultos que também são assim: acreditam que uma única pessoa, de quem dependem, não só pode tudo, como está lá justamente para salvá-los. 

Outro dia resolvi perguntar para mamãe se tinha medo de dinossauros. Eu tinha certeza de que ia responder que não, mas para minha surpresa – e decepção! – ela disse que sim. Fiquei insegura, é claro. Só que, mais do que tudo, fiquei furiosa! Como assim: ela, que me conhece tão bem, não percebeu que com aquele “sim” estava colocando meu mundo de cabeça para baixo? 

O que ela quer? Que eu abra mão da certeza apaziguadora de ter um anjo-da-guarda que vela por mim? Fiquei furiosa porque ela não percebeu que estava me colocando frente a uma tarefa impossível. Foi por isso que respondi com toda minha força: NÃO, mamãe, você não tem medo, você NÃO PODE ter medo! 

Pois, se acreditasse no que tinha acabado de ouvir de sua boca, eu ia ter que reorganizar meu mundo em torno de uma nova verdade: minha mãe é um ser humano como os outros e não pode tudo. Se fosse assim, eu teria que encarar a dura realidade de que estou nesta vida por minha conta e risco – e que ninguém pode me salvar. Em vez de responsabilizar mamãe por tudo de ruim e de bom que me acontece, eu teria que encarar que sou a única responsável por mim mesma. Tem tanto adulto que não consegue nada disso! 

Não, mil vezes não! – não estou pronta para essa mudança. Não quero – porque simplesmente não conseguiria – viver num mundo tão duro e árido. Repito: por enquanto, não quero, nem posso abrir mão dele. Ouviu bem, mamãe? 

Mas isso é só por enquanto. Daqui a alguns anos, você não só poderá, como deverá, me deixar perceber que não pode tudo. (Quem disse que é fácil ser mãe?) Mas ainda temos chão pela frente…

É isso um beliscão?

Por Simone Wenkert Rothstein

Ainda era cedo. Sentadas junto ao mar, estavam Ana, com sua filha Bia (de 10 meses) no colo e com elas, uma amiga de Ana, com quem conversava. O tom animado predominava, mas vez por outra, Ana se exaltava. Em um desses momentos, irritada, Ana conta à amiga que Bia está com mania de beliscá-la: “Tá vendo, olha só, ela tá me beliscando agora!” Bia está no colo da mãe, que se mexe mais agitadamente e é possível ver que sua mão minúscula aperta o braço da mãe. 

Passado um pouco as amigas se sentam com Bia na beirinha d’água, as pequenas ondas vêm e vão de mansinho. Bia se alegra, parece que quer pegar a água. As três se divertem. Alguns minutos depois, Bia se aninha no colo da mãe e adormece.

*

Que ótima ideia essa a de me dar voz! Os adultos que eu conheço parecem achar que enquanto eu não falo, não sou uma pessoa que percebe e sente coisas. Acham que sou como um cachorrinho fofo que come, dorme, faz cocô e xixi. Não acho muito inteligente da parte deles me verem assim: Só sentimos quando podemos usar as palavras?! Eles acham que eu só começo a existir quando já sei falar?

Pra começar quero dizer que em geral minha mãe é ótima. Super cuidadosa e atenta às minhas necessidades, procura me entender e entender quem eu sou. Mas tem horas que reparo que ela “dessintoniza” e não me olha, me vendo, sabe como é isso? Parece que a pessoa tá vendo outra no seu lugar? Foi o que aconteceu hoje: minha mãe achou que eu estava beliscando ela. 

Eu queria que ela pudesse me escutar: “Sabe mãe, você tá começando a me conhecer e eu a você. Até eu nascer eu conhecia a tua voz, o teu estomago, intestino e coração. Além claro daquela “piscina mágica” que crescia junto comigo. E você? Você sentia os meus movimentos, tinha algumas notícias sobre o meu tamanho e foi acompanhando desde que eu era uma uvinha, depois damasco, fui muitas frutas até melancia. 

Enfim, eu era uma salada de frutas e era também os teus sonhos, tudo o que você idealizou que eu fosse. Só há poucos meses eu virei tua filha real e você, a minha mãe real. No comecinho a gente era como que continuação uma da outra, mas a verdade é que a gente precisa se acostumar uma com a outra e, mais ainda, a gente tem que se acostumar com o que podemos ser na vida real.”  Será que se ela fica frustrada com a mãe real que ela é? Iiix, será que ela fica frustrada por eu não ser a filha que ela sonhou? É, a gente precisa ir se ajustando.

Tem horas que eu estou tão excitada, tão apaixonada, tão feliz de estar no colo da minha mãe, de sentir o calor do corpo dela, de sentir aquela pele macia (gente, ela é muito gostosa!), que eu aperto mesmo. Ah se eu pudesse grudar nela! Ah se eu pudesse ter o corpo da minha mãe como se fosse parte do meu! Só que tem um porém: eu tenho a impressão de que, quando eu a aperto, ela acha que eu estou reclamando, com raiva, beliscando ela. Com quem ela está me confundindo? “Não mãe, eu só te quero muito!”

Sabe, eu preciso que minha mãe esteja bem com ela, preciso do corpo da minha mãe pra organizar o meu, pra me assegurar de que eu existo. O corpo dela me ajuda a lidar com umas sensações muito horrorosas, umas angústias terríveis! Tem horas que parece que eu posso cair, ou me derreter, tem outra sensação apavorante que é a de me sentir em pedaços. E é esse abraço gostoso junto com: a voz dela, o leite morno que vai me esquentando por dentro (eu tenho o lado de dentro e o lado de fora!), os olhos dela olhando os meus… tudo isso me ajuda a sentir que eu sou uma unidade, um corpo todo coberto de pele, sou uma pessoa. Ah, se todo mundo tivesse esse abraço-envelope igual ao que a minha mãe me dá! 

Digo a você que já aconteceu, vez ou outra, de eu sentir que minha mãe ficou muito sensível, e mesmo sendo uma adulta, assim alta e linda (modéstia à parte), ela ficou como um bebê angustiado, quando sente que pode explodir. Nesses momentos, fiquei tensa, parecia que eu é que tinha que segurar ela. Pode ser que nessas horas, não por paixão, mas por medo e tensão, eu tenha segurado ela mais forte. Ainda bem que isso é raro. Porque se não, eu podia me tornar um bebê duro, uma criança ou mesmo um adulto eternamente em busca de meios de me sentir firme: muita musculação, muita comida, ou outras coisas que me dessem a sensação de firmeza que eu não teria conquistado pela falta de apoio de minha mãe. 

Em geral, minha mãe logo se acalma porque conversa com alguém, porque vê que eu tô feliz… Algumas vezes nos acalmamos juntas. Nesse dia da praia foi uma dessas situações. Ela tava tensa, claro que eu senti. Eu percebo na voz, no ritmo dos movimentos dela e aí, parece que ela pode me deixar cair. Mas a conversa com a Ana deixou o coração dela mais calmo, o corpo mais macio e aí, fomos pra beirinha do mar. O vai e vem das ondas nos fez um bem tão grande! Lembrou aquela sensação de segurança quando a gente sabe que a-mãe-saiu-mas-já-vai-voltar. E a sensação de que não viro líquido e desaguo no mar. 

Acho que tanto eu quanto minha mãe relaxamos quando sentimos que estamos inteiras, não nos desmanchamos e nem nos perdemos uma da outra. 

Machuquei a bolacha!

Por Marion Minerbo

Julinha (2 anos e meio) estende a mão para pegar a bolacha da mão da mãe. A bolacha cai no chão e se espatifa. Acontece uma crise sem precedentes. A mãe diz que não tem problema, pega outra bolacha do pacote e diz: “toma, é igual”.

A criança continua berrando, inconsolável por causa da bolacha quebrada. Ela está transtornada.

A mãe continua, um pouco menos paciente, mas ainda ok com a situação: aquela quebrou, mas tem outra igual, peguei do mesmo pacote, tem um monte!

A crise continua até a mãe perder a paciência. Já aos berros, continua insistindo que está dando uma igualzinha, não tem motivo para chorar, e considera que o berreiro é manha.

JULINHA (dois anos e meio): Não é fácil te explicar o que me deixou tão transtornada quando vi que a bolacha se quebrou. Mas vou tentar.

Para mamãe, uma bolacha é uma bolacha. Uma guloseima. Por isso, ela imaginou o óbvio: que eu estava frustrada porque fiquei sem alguma coisa gostosa que eu queria muito. Como se tivessem tirado um doce da boca de uma criança. E então ela tentava me mostrar que eu não ia ficar sem bolachas porque tinha muitas iguais no pacote – era só pegar outra inteira.

Se fosse isso, seria fácil. Eu não teria ficado transtornada. Quando olhei para a bolacha espatifada, não sabia se aquilo tinha acontecido com ela, comigo ou com mamãe. É que eu ainda sou pequena, então confundo tudo. A bolacha sou eu? É a mamãe? Quando como um doce gostoso – adoro doces! – é como comer a mamãe, que também é gostosa? Olha que confusão: sinto muitas coisas, mas não consigo saber se aquilo vem de mim e do meu corpo; ou se vem de fora de mim, do corpo da mamãe.

Por isso, para mim a bolacha não era uma simples bolacha. Está aí uma ideia difícil de os adultos entenderem. Era gente. Tinha um corpo. Sentia coisas. Levei um susto quando se quebrou porque eu tinha machucado ela sem querer. Tinha um monte de pedacinhos no chão. Devia doer muito! Fiquei horrorizada. Me senti terrivelmente culpada e não adiantava mamãe dizer que foi sem querer.

Desesperados, os pedacinhos de corpo “dela” olhavam feio para mim. A bolacha estava furiosa. Fiquei com medo de que fizesse a mesma coisa comigo – que me castigasse, que me deixasse espatifada no chão. Ela me acusava, dizia que sou má e que a culpa era minha. Ela tinha razão. Só que eu não sabia como sair daquela situação.

Quando faço alguma coisa errada e mamãe fica brava comigo, preciso muito que me perdoe. É urgente – urgentíssimo! – sentir que posso consertar o mal que fiz a ela. Fico transtornada se demora para me perdoar, ou pior, se vira a cara quando peço desculpas. Me sinto um monstro – porque só um monstro não merece perdão! Muito menos o amor da mamãe, sem o qual eu não vivo.

Você já entendeu que, enquanto mamãe não mostra claramente que me perdoou, continuo me sentindo um monstro. Sinto que não mereço existir, muito menos ficar junto com as pessoas – e que meu lugar é lá, com os outros monstros. E só ela pode me resgatar desse lugar horrível. Só ela pode apaziguar meu desespero. Agora você entende por que eu precisava muito que a bolacha me perdoasse? A bolacha era também a mamãe! Mas como podia me perdoar, se estava lá no chão, espatifada?

Mamãe não tinha como adivinhar tudo isso, mas eu precisava muito sentir que podia consertar o que tinha feito. Precisava cuidar da bolacha para que se sentisse bem e feliz de novo. Só assim ela poderia me perdoar e eu deixaria de ser um monstro. Não sei se você me entende: eu precisava consertar a bolacha para consertar mamãe e me consertar também.

Por isso não adiantava mamãe me dizer que tinha outras bolachas no pacote. Nem que eu tinha deixado a bolacha cair sem querer. Foi então que tive a ideia de brincar de consertar a bolacha. Como você sabe, brincar é um santo remédio para nós, crianças pequenas. Não é só diversão: é uma necessidade emocional das mais importantes.

Olha só que brincadeira eu acabei inventando junto com a mamãe. Uma conversa de nós três.  

Bolacha (num tom acusatório): Você me deixou cair, eu estou quebrada, está doendo muito.

Julinha (chorosa): Eu sei, Bolacha, fiquei muito assustada com o que fiz, e quero te ajudar.

Mamãe (amorosa e animada): Julinha, vamos levar a bolacha para o hospital? Lá o médico vai cuidar dela e ela vai ficar boa.

Julinha (já parando de chorar): Vamos, sim, mamãe.

Julinha (agora, animada): Bolacha, eu vou cuidar de você. Agora está doendo, mas logo vai passar. Você vai ver.

Bolacha (feliz): Que bom que você está cuidando de mim! Vou ficar boa […]. Pronto, sarei! Eu já perdoei você.

Julinha (aliviada): Mamãe, a bolacha sarou! E ela me perdoou! Agora você pode me dar outra, para eu comer?

Mamãe: posso sim, pega aqui.

Mamãe, você está bem?

Você já teve curiosidade de entrar “dentro” da mente de uma criança pequena? De conhecer seu “fluxo de inconsciência”, quer dizer, o que ela sente, vive e percebe sem saber que está sentindo, vivendo e percebendo? Usando a ficção como recurso, proponho um diálogo imaginário. A voz narrativa é a de uma criança onisciente de seus estados mentais. Uma criança pequena nos conta como vive situações do cotidiano e, graças a essa autoanálise ficcional, somos apresentados ao incrível mundo mental arcaico.

Por Marion Minerbo

Julinha (dois anos e meio) está brincando de Lego com a avó. A mãe está trabalhando em outro quarto. Julinha faz uma história em que a filha tranca a mãe em uma torre, e ela fica presa lá sem conseguir sair. A mãe grita por socorro, e a filha diz, brava: “você está aí sozinha e ninguém vai te ajudar”.

De repente, Julinha sai correndo do quarto no meio da brincadeira e vai até o da mãe:

– Mamãe, tá tudo bem, mamãe?

– Sim, filha, está tudo bem. E com você, está tudo bem?

-Está, sim!

E sai e volta a brincar.

JULINHA:

Brincar é uma atividade muito importante para meu desenvolvimento emocional. Não é só lazer e diversão, é uma necessidade! Se algum dia eu parar de brincar, pode se preocupar: algo bem grave está acontecendo comigo.

Quando brinco, crio situações que têm a ver com tudo o que vivi, mas não consegui processar emocionalmente. É como se eu estivesse contando para mim mesma o que foi que me marcou. Conforme vou dando voz aos personagens, e me ouvindo conversar com eles, vou digerindo as impressões, mais ou menos vagas, do que me aconteceu. E, com isso, meu Repertório Emocional vai crescendo, e me ajudando a enfrentar a vida. Que, aliás, não é nada fácil para uma criança!

Quando invento histórias, sinto que as coisas que imagino existem mesmo. Ao mesmo tempo, sei que estou só brincando, e que sou eu que estou criando aquela situação. É confuso porque é de verdade, mas ao mesmo tempo não é. E tem que ser assim! Se a brincadeira não for nem um pouquinho de verdade, não tem graça porque eu não mergulho na história; e se eu não mergulhar na história, não vai servir para ampliar Meu Repertório. Mas se for de verdade demais, eu fico com medo de inventar, de imaginar e de desejar certas coisas, e posso até travar. Em geral, meu medo não é tão grande.

Mas, um dia, eu precisava brincar de Lego. Estava com uma sensação ruim em relação a mamãe. Alguma coisa estava me incomodando, mas eu não sabia o que era. Esse incômodo me fez inventar uma história. Eu colocava a mamãe de castigo dentro de uma torre. Fazia ela me pedir socorro. E eu mesma respondia que não ia ajudar, que ela tinha que ficar lá sozinha. Claro que ela ficava desesperada!

Você deve estar se perguntando por que inventei justamente esta história, e não outra. É porque eu precisava me tratar do sofrimento causado por certas sensações pesadas e escuras que eu carregava dentro de mim. Eu precisava colocar dentro da mamãe as coisas ruins que sinto, para ver se ela me ajudava a entender o que era. Então, na brincadeira, eu fazia mamãe sofrer. Mas não exatamente pelo prazer sádico de ver ela sofrer. Era para que, sofrendo, ela pudesse me contar que sofrimento era aquele. Isso me ajudaria a reconhecer o meu próprio sofrimento.

Vou te explicar melhor que sensações eu coloquei dentro dela. É difícil ser pequena porque dependo dos grandes que, na minha cabeça, podem tudo. Preciso dar um jeito de entender essa diferença com os poucos recursos mentais de que disponho. Para mim, a coisa é simples: já que eles podem tudo, deveriam resolver tudo para mim. Se não fazem isso, é porque não querem. Dá raiva, ou não dá raiva? Por isso, na brincadeira, eu podia salvar mamãe, mas não queria.

Eu invento teorias para dar algum sentido à enorme – e injusta! – diferença de poder entre adultos e crianças, e depois sofro porque acredito nelas. Um exemplo: “é muito bom ser adulto para poder mandar nas crianças”. Quando crescer, talvez eu consiga ver que não é bem assim. Seja como for, já não é fácil depender de alguém; mas, quando eu entendo desse jeito, fica insuportável. Vira uma sensação pesada e escura que fica entalada na boca do meu pequeno estômago.

Resumindo, a dependência fere minha dignidade, e me aterroriza; já a submissão me dá raiva. Mamãe não percebe, nem teria como perceber, esses meus pequenos dramas cotidianos. Brincar é um santo remédio porque me ajuda a digerir uma parte deles, ampliando, assim, meu Repertório Emocional.

Na minha história, eu fazia mamãe gritar por socorro. Enquanto “ela” gritava, humilhada e aterrorizada, eu sabia que ela estava sentindo a mesma coisa escura e pesada que eu. Dava para ver que ela achava que ia ficar lá sozinha para sempre. Como não estava acontecendo comigo, eu conseguia perceber o terror e o desamparo dela – mas isso, de alguma forma, me contava do meu próprio terror e do meu próprio desamparo.

Eu estava muito feliz. Tinha conseguido fazer ela ser um espelho daquilo que ainda desconhecia de mim mesma. Só que era um espelho invertido: ela era eu, e eu era ela! Até aqui, eu estava usando a brincadeira para “me tratar”.

Mas aí eu me empolguei. Descobri que ser forte e ter poder dá barato. E comecei a ter prazer em fazer ela sofrer. Quando pegava mamãe e trancava na torre, eu era a poderosa; e podia fazer com ela o que quisesse! Era muito gostoso poder ter voz ativa, em vez de ser passiva. Que delícia, poder mandar, e ver ela obedecer!

Acho que foi nesse ponto que aconteceu uma coisa que eu não esperava. De repente fiquei com medo que a mamãe de verdade, que estava trabalhando no outro quarto, estivesse muito desesperada, como a mamãe da brincadeira. Também fiquei com medo de que ela estivesse brava por eu estar gostando de fazer ela sofrer. Eu tinha colocado tanta verdade na brincadeira, que não sobrou nem um pedacinho de mim do lado de fora.

Por isso precisei ir lá conferir. “Mamãe, tá tudo bem?” Foi um alívio ver que sim, estava tudo bem. Ela estava trabalhando, e me recebeu com o carinho de sempre. Não sei se ficou, ou não, espantada que, “do nada”, eu tenha me preocupado com ela. Talvez sim, porque me perguntou se eu estava bem. Vi que ela também se tranquilizou.

Só queria dizer mais uma coisa. Eu estava brincando de Lego perto da vovó. Ela estava lá fazendo as coisas dela, mas eu me sentia sustentada por sua presença boa, gostosa, amorosa e não intrusiva. Se ela não estivesse lá, talvez a angústia de imaginar que eu estava sozinha no mundo não me permitisse brincar, nem ampliar meu Repertório Emocional. Tudo isso me ajudou a continuar brincando tranquila.

Quem “seremos” depois de tudo isso?

Por Marion Minerbo

AnaLisa – Olá, Marion! Queria retomar nossa última conversa sobre o isolamento, pois me ajudou bastante a nomear alguns sentimentos e angústias meio difusos. Falamos que cada um está sofrendo por um motivo diferente, mas andei pensando sobre os efeitos que essa pandemia vai ter sobre a sociedade de forma geral. Um ponto de vista mais coletivo…

Marion – Nomear sentimentos e angústias sempre ajuda, né? Você tem toda razão: a pandemia afeta a sociedade como um todo. Do ponto de vista psicanalítico, esse acontecimento pode ser pensado como um trauma coletivo. Veio sem aviso prévio, nos encontrou despreparados, tirou nosso chão.

AnaLisa – Interessante você ter falado em “trauma”, pois eu costumo pensá-lo como algo pessoal, ou individual. Mas é verdade: nesse caso estamos todos mais ou menos no mesmo barco, considerando as diferenças imensas em termos de recursos materiais e psíquicos de que as pessoas dispõem.

Marion – Exatamente. O mais louco é que se trata de um tipo de violência que não conhecíamos, e por isso é até difícil reconhecê-la como tal. Talvez você se lembre da angústia branca, termo que o psicanalista francês Andre Green usou para descrever o sofrimento psíquico mudo, invisível e silencioso das patologias do vazio. Analogamente, acho que poderíamos falar desse sofrimento atual como violência branca. Faz sentido para você?  

AnaLisa – Lembro, sim, do Andre Green, e do conceito de angústia branca. E faz todo sentido a associação que você fez, já que o próprio Corona vírus é invisível e silencioso!

Marion – E a violência branca é uma violência sem sangue, silenciosa, mas pode matar. O trauma branco arrebenta nossa pele psíquica não só pelos efeitos devastadores em nossas vidas, mas também porque é algo que não faz sentido para nós em pleno século 21! Não temos repertório para lidar com isso. Quem imaginaria o planeta (quase) inteiro de quarentena? As fronteiras fechadas?

AnaLisa – Para mim, a pior parte desse “trauma branco” (que chique falar assim!) é lidar com a incerteza do futuro. Psiquicamente falando, a sensação é de tentar me equilibrar sobre um chão de areia movediça. Exaustivo!

Marion – Sem dúvida! Além dessa incerteza, é brutal termos que conviver diariamente com a angústia da ameaça de uma morte solitária, lenta, por asfixia. Um contato tão direto com nossa vulnerabilidade é mais do que damos conta de metabolizar!

AnaLisa – O confinamento físico não era parte da nossa realidade. Era coisa só para criminosos presos em solitárias.

Marion – E não temos como combater o “inimigo”, o que pelo menos nos colocaria numa posição menos impotente, mais ativa. Ter de abrir mão da nossa rotina diária também é traumático porque ela nos dá uma sustentação psíquica. Isso sem falar nas consequências da devastação econômica que nos aguarda.

AnaLisa – Se aprendi direito com as nossas conversas, o traumático nos obriga a entrar em contato justamente com esse desamparo e com a absoluta falta de garantias com relação ao futuro. E certamente deixa marcas que ficam inscritas em nosso psiquismo…

Marion – É por aí mesmo. Os traumas deixam sim suas marcas. Pense em uma pessoa que passou por uma guerra. Será que ela consegue voltar a viver “como antes”? Não tanto em relação às atividades cotidianas, mas à experiência subjetiva propriamente. Será que dá para metabolizar o horror, ou o que não foi integrado vai continuar a assombrá-la pela vida afora?

AnaLisa – Eu imagino que algumas marcas não desaparecem nunca. A experiência subjetiva de quem já passou fome, por exemplo, será sempre diferente daquela de quem nunca sofreu privações desse tipo. Talvez ela olhe para seu prato de comida com a consciência aguda de que ele poderia não estar lá. Talvez viva constantemente com medo de voltar a passar fome. Talvez a imagem de uma criança faminta se imponha entre duas garfadas.

Marion – Trazendo pra nossa realidade atual de pandemia, será possível recalcar tudo isso e continuar vivendo tranquilamente? Ou viveremos em constante paranoia, evitando aglomerações, vendo sinais de perigo em cada espirro? Ou iremos incorporar períodos de isolamento em nossas rotinas, criando e nos adaptando a um “novo normal”?

AnaLisa – Daí a gente volta para uma perspectiva mais individual, né, Marion? Pois cada um vai lidar com esse trauma a partir de sua própria história emocional e dos recursos psíquicos disponíveis. Quer dizer: o trauma branco é coletivo, porém seus destinos são singulares.

Marion – Perfeito! E é possível que as inscrições do traumático não desapareçam nunca. Talvez a consciência permanente de que tudo é efêmero nos ajude a aproveitar e a sentir gratidão pelo que temos. Talvez, ao contrário, a angústia nos impeça de aproveitar o que temos, enquanto temos. Viveremos dentro de um pesadelo constante?

AnaLisa – Talvez. Mas, numa visão mais otimista, podemos pensar que há traumas que cicatrizam. Dizem que o tempo cura tudo…

Marion – Talvez seja possível elaborar e integrar a experiência traumática ao longo do tempo. A vida pode, sim, voltar a ser “como antes”. Pode até ficar mais rica, se pudermos incluir em nossos repertórios – psíquico, comportamental, relacional – o que descobrimos durante o período de crise. Podemos voltar a confiar na estabilidade do mundo, usufruindo desta ilusão necessária para reconstruir nossas vidas. Ou ainda, a cicatriz pode se abrir a qualquer momento em situações análogas, e a nossa absoluta vulnerabilidade voltará a nos assombrar quando menos esperamos.

AnaLisa – Quem seremos depois de tudo isso?

Marion – Quem viver (!), verá!

ISOLAMENTO: PARA VOCÊ, QUAL É A PIOR PARTE?

Marion Minerbo

AnaLisa – Que loucura tudo isso que está acontecendo, né? E esse isolamento sem fim?! Aqui vamos indo. Está bem difícil para todos, especialmente para a minha irmã mais nova que tem 15 anos e está subindo pelas paredes. Outro dia tivemos uma conversa interessante sobre qual é a pior parte para cada uma de nós. Achei estranho o que um amigo dela disse: para ele, a pior coisa era não poder ir comprar pão no fim do dia, como ele sempre fez. Para evitar aglomerações, a padaria fechou. Parece uma perda um tanto banal, no meio de outras tão mais sérias.

Marion – Não sabia que você tinha uma irmã adolescente. Aqui também não está fácil. Mas me conte um pouco de como está sendo para vocês.

AnaLisa – Meu pai ficou desempregado. Está difícil conviver o tempo todo com a família neste apartamentinho. Tem horas bacanas, a gente vê TV juntos, joga cartas. Mas tem horas em que ele afunda. Isso é novo para nós, pois ele sempre foi tão seguro, tão paizão. Minha mãe tenta segurar a barra, a gente cozinha com ela, conversa. Mas dá para ver que está super angustiada com o futuro. E minha irmã se enfia no quarto e quase não sai. A mãe da melhor amiga dela morreu de Covid-19. Para ela a pior parte é estar presa entre quatro paredes. Não poder nem dar um abraço na amiga que está de luto! É vital a ela encontrar os amigos, jogar conversa fora, rir e relaxar.

Marion – Os amigos são mesmo fundamentais para todos nós. E talvez mais ainda quando se é adolescente. Uma parte do trabalho psíquico da adolescência é conseguir “perder” os pais da infância e “sair” de casa, mesmo que continuem morando com os pais. Para isso, os adolescentes precisam ser “recebidos” pelo mundo, que nesse momento é o grupo de amigos. Então ela não sofre só porque está presa. Sofre porque o isolamento prejudica esse processo psíquico, que precisa se dar concretamente, no mundo.

AnaLisa – As redes sociais ajudam – ela vive grudada no celular. Faz muitos encontros por zoom com os amigos dela; joga com eles, cantam, tocam música. Mas não é a mesma coisa.

Mas como eu te disse, queria entender aquele amigo dela. Ele é um cara diferente, meio poeta, gosta de falar dos seus sentimentos. Mas daí a sofrer porque não pode ir na padaria…

Marion – Muito sensível, a observação dele. Faz sentido, se a gente pensar em qual é a importância da rotina para nossa vida psíquica.

Olha, tem coisas que a gente faz de vez em quando, tipo uma viagem. É legal, quebra a rotina. Mas a nossa vida, nosso cotidiano, é feito de rotina. São aquelas pequenas coisas que nos dão segurança justamente porque se repetem, estão sempre lá, contamos com elas.

Em psicanalês a gente diria que a rotina é composta de vários pequenos “enquadres” que organizam nossa vida – e também nossa vida psíquica. Tipo: sair de casa a tal hora e ir para a escola ou para o trabalho, encontrar as mesmas pessoas, ter uma atividade produtiva, praticar um esporte etc.

AnaLisa – Eu achava que rotina era sinônimo de chatice. Mas entendo o que você está dizendo. O enquadre funciona como um chão mais ou menos firme sobre o qual podemos caminhar sem pensar muito.

Marion – Exatamente! Ninguém dá um passo pensando “será que meu próximo passo vai ser no chão, ou no vazio?”. Mas é isso que está acontecendo com o planeta neste momento: perdemos o chão! Nosso próximo passo é no vazio!

AnaLisa – E isso dá uma angústia enorme. A gente só descobre como a rotina é importante quando ela some de repente.

Marion – Quando sabemos o que vem pela frente, conseguimos nos preparar para enfrentar o futuro e isso nos tranquiliza. É fácil ver isso com os bebês. Como eles se desorganizam psiquicamente quando perdem sua rotinazinha.

Essas pequenas atividades do dia-a-dia, nas quais nem prestamos muita atenção, dão ao Eu o sentimento de continuidade no tempo e no espaço. Parece que para seu amigo, ir até a padaria todos os dias tinha esta função. Ele se sentia segurado/amparado por este “ritual”. Não era só o ato concreto de comprar pão. Tinha também valor simbólico. Talvez algo como: fim das obrigações do dia, começo daquilo que faz a vida valer a pena.

AnaLisa – Que interessante! Nunca tinha pensado nisso. E o amigo da minha irmã disse que quando vai chegando a hora em que ele ia na padaria, ele sente um buraco no peito, uma sensação de que está solto no espaço, quase um pânico. Claro, agora eu entendo: é como se ele desse um passo no vazio. Por isso para ele essa é a pior parte!

Marion – Belíssima descrição do que é a angústia.

AnaLisa – E para você, qual é a pior parte?

Marion – A incerteza sobre o que virá. Ter que continuar caminhando sabendo que não há mais um chão firme sobre o qual pisar. Ser obrigada a reconhecer que as supostas certezas que eu tinha não passavam de ilusão.

AnaLisa – Muito louco tudo isso!

 

 

Brincar para se tratar

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Estava na casa de uns amigos que têm um filhinho de um ano. Lá pelas tantas, quando ele ficou com sono, se deitou de bruços sobre uma mesa de centro revestida de azulejos e ficou se contorcendo de barriga para baixo, como uma minhoca, até adormecer. Os pais disseram que faz uns meses que ele criou este ritual e não dorme sem ele. Achei estranho, pois em geral as crianças escolhem lugares macios e quentinhos para adormecer. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Você sabe colocar limites?

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Um casal de amigos tem um filho de 3 anos que já é um pequeno tirano. Quando contrariado, se joga no chão berrando, chuta e quebra as coisas. Fica totalmente fora de controle. Os pais tentam colocar limites, mas não conseguem. Quando a paciência acaba, saem do sério e berram de volta. E acabam trancando ele no quarto, de castigo. Dá para ouvir de longe o garoto chutando a porta de tanto ódio. Eles têm a esperança de que desta vez o garotinho vai se comportar, mas dali a pouco ele já está extrapolando de novo. E o ciclo recomeça. Todos ficam exaustos, arrasados e infelizes. A convivência deixa de ser um prazer e vira um tormento. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

Que bom que você abordou este tema! Essa discussão é importante porque muitas pessoas têm a impressão de que a solução é simples, basta colocar limites. Mas você percebeu bem: há situações em que simplesmente isso não só não adianta, como ainda piora as coisas.

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Que foooofo!

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Tenho vários amigos que adotaram cachorrinhos há pouco tempo, e cuidam deles como se fossem filhos. Quando conversamos sobre isso, eles me mandaram o link de uma loja que, além de roupas, vende guloseimas como sorvete e gelatina, tem piscina de bolinha, espaço para festa de aniversário… tem até cerveja para cachorro! Pessoas veganas só compram rações veganas para seus pets. Uma delas me falou de uma loja que, no Natal, vendia panetone para o Natauau dos fofinhos.

Sério?

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Trocando figurinhas

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Você já reparou que em anos de Copa do Mundo todos resolvem colecionar e completar aquele álbum, e começa um tal de trocar figurinhas … crianças, adolescentes, adultos … é um movimento geral! Fico sempre me perguntando de onde vem, e que sentido tem, essa atividade aparentemente infantil, mas que, nesses momentos, pega todo mundo. Não é curioso? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Depressões II

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, gostaria de retomar nossa última conversa sobre Depressões. Eu entendi que a depressão é um sintoma, como a febre. E que para tratar a depressão não basta eliminar o sintoma, porque o buraco é mais embaixo. Você disse que todos temos os nossos buracos, e que damos um jeito de usar alguma coisa – drogas, comportamentos, pessoas, ideologias – para mantê-lo tapado, quietinho, compensado. Fiquei com a pulga atrás da orelha: isso significa que todos nós temos um potencial para nos deprimir em algum momento da vida, dependendo das circunstâncias? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Páscoa

Já houve o tempo dos rituais católicos referidos à Semana Santa: de quinta a domingo, participava das liturgias, acompanhando a Via Crucis através das celebrações da igreja.
Já houve o tempo do esquecimento da Passagem, da ausência de celebração, do lambuzar-se avidamente em ovos, submetida à minha desmesurada paixão por chocolate.

Houve também anos em que a Páscoa era encantamento que ofertávamos ao nosso filho: as pegadinhas do coelho, o esconder dos ovos, a alegria da descoberta.
Hoje meu filho celebra sua Passagem para a vida adulta, em sua feliz independência, viajando, dispensando ovos, comemorando sem saber sua própria Páscoa, longe dos rituais da Igreja ou da festa em família.Leia mais »

Depressões

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Tenho vários amigos que estão deprimidos, até parece uma epidemia! Um que praticava corrida – corria pelo menos duas horas por dia – se machucou seriamente, teve que parar e se deprimiu a ponto de não querer mais levantar da cama. A outra sempre foi meio pra baixo, do tipo pessimista, mas agora piorou. Faz o mínimo necessário – da casa para o trabalho – e diz que a vida não tem graça, não tem vontade de viver. Uma terceira amiga se sente um fracasso, acha que ninguém gosta dela, se tranca em casa e não quer ver ninguém. Está todo mundo tomando antidepressivo. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

A morte do bom-senso

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Uma amiga estava me contando que contratou uma personal stylist. É uma profissional que ajuda você a se vestir. Não é só alguém que entende de moda. Ela tem um olhar para o biotipo, a personalidade, a atividade, o estilo e o nível de vida, e ajuda a formatar a imagem que a pessoa quer passar ao se vestir. Organiza o que a pessoa já tem no armário e indica lojas para o que estiver faltando. Se o cliente quiser, vai junto para fazer as compras. Minha amiga não é uma artista ou uma celebridade. É uma pessoa comum como eu e você. Dá a impressão de que a gente não sabe mais viver sem a ajuda de especialistas. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

CARNAVAL

Por Fatima Florido Cesar
A vida é plural e a diversidade sempre bem vinda, embora difícil de ser vivida no dia a dia, nos embates internos e externos. Tem gente que gosta de carnaval, tem gente que não.

A vida é um vai e vem de movimento e repouso, daí a gente precisa surfar entre esses estados diferentes. Daí tem gente que escolhe o recolhimento nesses dias. Outros já se deixam levar por essa ausência de silêncio, pelos excessos de vozerio, cantoria, pelo batucar das baterias que têm essa vocação de chamamento para fora, que desarma o ordenamento cotidiano dos sentidos, que abre para o mundo da cidade, que solicita uma perdição bendita.Leia mais »

Que tiro foi esse?!

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Domingo, almoçando com duas amigas, assisti a um vídeo que viralizou no Youtube. É de uma funkeira chamada Jojo Todynho. É uma figuraça, não sei se você já viu.

Não vi…

Não acreditei quando ouvi a música “Que tiro foi esse?”, acompanhado de coreografias e performances, em que as pessoas simulam que foram alvo de uma bala perdida e caem “mortas” no chão. Várias celebridades aproveitaram para postar seus próprios vídeos com a mesma trilha sonora. Achei bizarro porque balas perdidas matam – são uma tragédia, uma praga. Ainda mais curioso foi descobrir que a expressão virou elogio, já que a letra do funk é “que tiro foi esse, que está um arraso”. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

A morte do bom senso

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Uma amiga estava me contando que contratou uma personal stylist. É uma profissional que ajuda você a se vestir. Não é só alguém que entende de moda. Ela tem um olhar para o biotipo, a personalidade, a atividade, o estilo e o nível de vida, e ajuda a formatar a imagem que a pessoa quer passar ao se vestir. Organiza o que a pessoa já tem no armário e indica lojas para o que estiver faltando. Se o cliente quiser, vai junto para fazer as compras. Minha amiga não é uma artista ou uma celebridade. É uma pessoa comum como eu e você. Dá a impressão de que a gente não sabe mais viver sem a ajuda de especialistas. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Quero ficar no teu corpo como tatuagem

Por Fátima Florido Cesar

E se não falas assim, de forma explícita, se não ages assim, carnal, serei jogada numa zona de obsceno abandono? Acreditarei que somos laços frouxos, enquanto sonho com estreitos nós? Mas aí é que está, grande tarefa da vida: saber ler nas entrelinhas, enxergar onde aparenta habitar o vazio os laços invisíveis. Aí é que está, se apurarmos nossa visão, por vezes rala, para ler nas entrelinhas poderemos enxergar os disfarces ali onde parecem pairar nó desfeito, linha dependurada, varais rompidos com suas roupas ao vento. Poderemos vislumbrar com nossa rara visão (porque também esta será capaz de ser de benfazeja acuidade) os caminhos que nos ligam, os afetos pungentes que equivocam corações sedentos de comunicações diretas. Anda mata adentro e descobrirás com júbilo a trilha oculta e desacreditada. Ali enxergarás, no lugar de aparente apatia, de lábios cerrados e braços cruzados e corpos reclusos, o laço que persiste e que acreditaste rompido. Crê que onde se apresenta a ausência, uma presença muda se oculta na sombra; onde vês e sentes o gelo, desconfia de chamas em descanso.Leia mais »

Parei de comer carne vermelha

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Ontem, mais uma amiga me disse que virou vegetariana. Sou praticamente a única carnívora da minha turma (risos)! Tem aqueles que só pararam de comer carne vermelha; outros que comem leite e ovos, mas nenhuma carne; e também os mais radicais, que não comem nada de origem animal. Nem mel. Perguntei para ela por que tomou essa decisão. Deu vários motivos. “Me sinto melhor quando não como carne”. “É desumano fazer isso com os animais”. “É uma forma de preservar o planeta”.

Fora os vegetarianos, tenho amigos que só comem orgânicos. E outros que estão na noia do clean eating: controlam tudo o que comem para evitar comidas “do mal”: lactose, glúten e nem sei mais o quê. Tem uma que chegou ao extremo da ortorexia, uma variante da anorexia. Lembrei da nossa conversa em agosto sobre como está todo mundo curtindo cozinhar, e sobre o delicioso sintoma da “gourmetização da vida”. [link aqui]. Meus amigos, ao contrário, parecem estar se privando do prazer de comer! O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?Leia mais »

Dor de si, dor do mundo

Por Fatima Florido Cesar

Arnaldo Antunes diz, em uma de suas canções, que gente não tem cabimento. É que pessoa é além, não cabe no corpo, se estende, pode tanto tanto… Não de poderoso, mas de ir além mesmo. Gente pode transbordar, bicho e planta não. É como se diz: “fulano não cabe em si de contentamento”.

O ditado popular confirma que gente não tem cabimento. E mais: gente tem que aprender a se perder. Mas tem um perigo nisso, porque gente tem que se perder e saber voltar. Jogar miolo de pão pelo caminho, para passarinho comer e se deixar em perdição. E tem o outro lado: jogar pedrinhas no chão que marquem a volta, porque a pessoa se abre, mas também se fecha. É ser cigano com casa de tijolo.Leia mais »

Fui com a cara dele

Por Maíra Tanis

Até hoje não sabia por que, mas adoro essas lojas de bugigangas, como bazares de antigamente, que vendem de tudo; precursores das lojinhas de coreanos, que também adoro. Nunca deixo de entrar em uma loja assim. Se estiver em qualquer lugar do mundo e passar na frente de uma, entro sem dúvida. E, dependendo do dia, sempre encontro coisinhas que preciso comprar urgentemente mas, até aquele momento, não sabia.

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É muita areia para meu caminhãozinho

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! No sábado estava numa festa com um amigo. Ele estava de olho numa menina linda, que também parecia interessada nele. Estava morrendo de vontade de ir falar com ela, mas não conseguia. Perguntei por que. Ele respondeu: “ela é muita areia para meu caminhãozinho”. Acabou ficando com uma que ele não queria tanto. Terminou a noite frustrado e preocupado, porque isso se repete em todas as festas. Não entendo: por que alguém não consegue ir atrás de quem deseja, e não deseja a que pode ter? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Neoconservadorismo, um sintoma da miséria simbólica

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Museus e exposições de arte censuradas pelo público, sob alegação de incitar pedofilia ou simplesmente por exibirem nus artísticos que, de repente, se tornaram “obscenos”. A “cura gay” como retorno de uma postura homofóbica, em pleno 2017! Políticos de direita e/ou conservadores em ascensão, em resposta à demanda popular em vários países. Manifestações racistas no futebol. Que onda conservadora é essa? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Polarização, um caso de daltonismo emocional

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Não consigo entender o movimento de polarização que a gente percebe em boa parte do mundo. Parece que estão todos num Fla-Flu, ou num filme de mocinho e bandido, com opiniões radicais e apaixonadas sobre tudo. Um lado xingando o outro. Ou pior, matando. Mas a vida não é um jogo de futebol! As coisas nunca são preto ou branco! É como se nós tivéssemos perdido a capacidade de ver os muitos tons de cinza, em que preto e branco existem juntos. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

A alegria do possível

Por Fatima Florido Cesar

Questões existenciais nos atravessam desde sempre e costumam ir além tão cotidiana pergunta que nos acompanha dia-a-dia: quem somos?

Para além dessa questão, somos atingidos por dúvidas de toda a ordem sobre o ser, sobre o nosso ser. Quem nunca se deparou com interrogações do tipo: qual o meu tamanho? Quais as minhas potencialidades? Que desafios e ânsias conseguirei superar, na busca pelas conquistas sonhadas? Quais os sonhos possíveis? E os impossíveis? Como manejar as expectativas dos nossos pais com as nossas, em um ponto de equilíbrio entre a submissão e o respeito às nossas origens?

Como conciliar originalidade com tradição? É possível ficarmos bem com aquilo que “nos cabe neste latifúndio”? Por “latifúndio” referimo-nos ao lugar que abriga o nosso tamanho, idioma e sonhos possíveis e que comporta tanto nosso mais além como a nossa pequenez. Cultivar desejos alados lado a lado com a consciência de que também somos limitados: o apreço pelas raízes com a ambição das alturas.

Os sonhos que tecemos precisam ser cuidados. Eles são a nossa entrada para a realidade. Os sonhos preparam o fazer, o existir. Inventam caminhos que ora se dão em terra firme, ora se dão em barcos desbravadores. Eles nos conduzem para o mais além, porque nascemos com a vocação para desdobramentos em infinitas bifurcações.

Mas chega a hora do retorno para a casa. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Todas as fixações são perigosas, mesmo que o projeto seja um viajar incessante. Desse modo, a vontade de ir perde seu potencial de novidade, transmuta-se em esquecimento do lar. Esse deslocamento infindável nos engana: tem ares de saudável liberdade, de desapego… No entanto, é de fixação que se trata; fixação que se apresenta pelo furor de movimento incessante, adesão à vontade de partir.

É no entre que ficaremos confortáveis. A saúde e o bem viver se situam na dimensão do possível. Se o sonho é manso, ele permite que se chegue ao possível. Em contrapartida ao sonho possível, as idealizações fazem com que nos imaginemos muito distantes do que somos. Tem-se aí a armadilha do ideal do eu. Se, por um lado, esse ideal do eu nos proporciona o cultivo de ideais, por outro, ele nos aprisiona na tentativa de ser algo que não somos. Uma coisa é sermos sonhadores e idealistas, aspectos saudáveis da nossa existência. Outra, bem diferente, é a fixidez nas idealizações.

Cria-se um embate difícil entre querer ser algo que nos distancia da nossa própria natureza e sossegar no próprio modo de existir, naquilo que nos cabe.

Para essa tarefa precisamos, de início, nos desvencilhar dos mandatos parentais. Desse processo faz parte conseguirmos relativizar aquilo que nossos pais sonharam em nós e para nós. Tudo isso sem deixar de lado uma parte daquilo que se teceu enquanto fomos gestados e cuidados. Uma parte da nossa herança vai permanecer.

Do outro lado, é nosso trabalho nos afastarmos daquilo que se quis demais, das missões às quais fomos destinados, de maneira a chegarmos na dimensão do possível. O encontro das águas da originalidade e da tradição.

Faz parte da nossa tarefa sossegar, sem cairmos na flacidez existencial dos gestos mínimos, nem nos entregarmos a desvarios das ambições impossíveis. Uma das alegrias mais genuínas é a que nos reconcilia com o nosso tamanho e com aquilo que nos cabe, sem que tenhamos de abrir mão do mais além que nos é destinado enquanto humanos. Mais um paradoxo. O entrelaçar do voo com o pouso, com o andar e até mesmo com o mancar. Eis a alegria do possível.

 

Não fui com a sua cara

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Uma amiga que está com a vida travada foi conversar com uma psicanalista. Não foi com a cara dela. Perguntei o motivo. No começo disse que não sabia. Depois pensou, pensou, e achou que podia ser porque a mulher estava usando botas de salto alto. Dei risada. No começo achei que não tinha nada a ver. Mas depois pensei: vai ver que para minha amiga aquelas botas significam alguma coisa do mal, evocam alguma experiência desagradável. O fato é que foi antipatia à primeira vista. Foi procurar outra pessoa que não usasse botas de salto. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?Leia mais »

Máquina de costura

Por Maira Tanis

Passei em frente a uma portinha colorida onde vários cartazes coloridos e bordados diziam ser ali um ateliê de costura, de bordado, de trabalhos manuais femininos. Tudo era muito feminino e eu esperava encontrar algumas senhoras fazendo tricô. Mas toquei a campainha – um sininho delicado, como tinha que ser -, e quem me abriu a porta de vidro foi uma moça, bem moça, com um sorriso lindo. Depois deste sorriso já sabia que eu iria ficar. Quem me levou para dentro deste espaço delicado foi a lembrança viva da minha avó, costureira.Leia mais »

Jeans rasgado

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que você gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! O jeans é uma roupa usada por todo mundo, jovens e velhos, ricos e pobres. É sinal de descontração, de estar à vontade. Diferente da roupa social, em que a pessoa obedece aos códigos de vestir obrigatórios em certos contextos. Agora, o que não consigo entender é o jeans rasgado! Vamos combinar que ninguém quer comprar um carro novo que já venha amassado. E se alguém percebe que sua blusa furou sem querer, pode ficar com vergonha. Então, por que rasgar uma calça nova para vendê-la? Por que alguém compraria uma calça rasgada? Isso não te parece uma loucura? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Você está podendo?

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa! Sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Meu primo tinha começado a cultivar uma horta no sítio dele. Era muito dedicado e se empenhava com amor em fazer crescer uns pepinos. Quando nasceu o primeiro, chorou de emoção. Até entendo que a gente fique satisfeito em colher os frutos do nosso trabalho, mas chorar por causa de um pepino? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Espelho, espelho seu

Por Luciana Saddi

Minha manicure trabalhava num cabeleireiro de bairro, onde a decoração era pretensiosa, a limpeza deixava a desejar, o lugar era mal iluminado e os espelhos escuros produziam imagens aquém da realidade. De tanto fazer as unhas acabei por me familiarizar com o espelhamento daquele lugar repleto de pessoas carinhosas, que me chamavam de doutora, me adulavam com facilidade e eram ineficientes – lá me sentia bem.Leia mais »

Como se fabrica um fanático

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Me contaram a história de Michel dos Santos, um jovem francês de família portuguesa que se juntou ao Estado Islâmico. Em 21 de novembro de 2014 o jornal Le Monde publicou uma matéria sobre ele escrita por Soren Seelow. A família ficou chocada quando o reconheceu em um vídeo de propaganda, participando daquelas execuções escabrosas. Tinha apenas 22 anos. Segundo eles, era um rapaz calmo, tímido e dócil. Católico praticante, gostava de futebol e música eletrônica. Aos 16 anos virou muçulmano. Deixou crescer a barba, mudou seu nome para Youssef e passou a frequentar a mesquita. Exigiu que a namorada saísse da escola e usasse véu. A mãe chorou e o pai o espancou. Não adiantou nada. Ele foi para a Síria. Este não é um caso isolado. Muitos jovens europeus têm trilhado esse caminho radical. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Você também gosta de cozinhar?

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Ontem fui jantar na casa de amigos e aquilo não era um simples jantar: era uma verdadeira produção! Todos ali cozinhavam muito bem, e só se falou de comida! Restaurantes, programas de TV tipo Master Chef, os pratos que tinham preparado e que iam preparar, onde encontrar os melhores ingredientes. Conversaram sobre a tribo dos que só comem produtos orgânicos, dos vegetarianos, dos que não comem glúten e lactose, e por aí vai. Eu, que mal sei fritar um ovo, me senti um ET. Sorte que adoro comer bem! Claro que isso está mais circunscrito a certos grupos socioculturais, mas é tão importante que o Estadão tem o caderno Paladar e a Folha tem o Comida. O que a Psicanálise tem a dizer sobre isso?

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Só pele e osso

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Hoje (25/7/2017) estava lendo na Folha Equilíbrio uma matéria que fala da polêmica em torno do filme sobre anorexia “O mínimo para viver” (To the bone). Ele apresenta cenas de meninas esqueléticas, à beira da morte, e também fala dos truques secretos que elas usam para não engordar. Tem gente que acha que isso acaba estimulando quem está nesse caminho; outros pensam que é melhor falar abertamente, pois ajuda a entender quem sofre de transtornos alimentares. Para além da polêmica, eu achei interessante o tratamento alternativo proposto: uma espécie de comunidade terapêutica. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

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Netflix vicia?

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Depois que conversamos sobre as séries (“Que série você está assistindo”?), um amigo que segue nosso blog me contou que passa seus fins de semana fazendo “maratona”. Fica até 10 horas assistindo a vários episódios seguidos! Fui ver na internet e descobri que isso já tem até nome: binge watching. Como você comentou que a febre pelas séries revela uma fome de alteridade, bem como a necessidade de ‘viver’ outras vidas além da nossa, me perguntei se ele teria muuuuuita fome de alteridade. Ou se seria um fenômeno diferente. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Leia mais »

Que série você está assistindo?

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Nunca tinha reparado que todos os meus amigos estão assistindo a alguma série. Elas são assunto de conversa, as pessoas trocam dicas. Algumas séries viram febre, todo mundo já assistiu. Há centenas de ofertas na Netflix e os fãs ficam esperando as novas temporadas de sua série predileta. Mais de uma amiga faz maratonas: chega a ficar 10 horas seguidas assistindo! O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

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Jout Jout, uma amiga íntima virtual

Por Marion Minerbo

Olá, Ana Lisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

Olá, Marion, veja só que loucura! Tenho uma amiga que está fascinada com a Jout Jout, uma youtuber de 26 anos. Assiste aos vídeos um monte de vezes, não desgruda. Diz que a Jout Jout – que tem milhões de seguidores! – é sua melhor amiga. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

Que bom que você se interessa por esses assuntos do cotidiano que parecem banais! O olhar psicanalítico mostra que eles revelam algo de nossa cultura e, portanto, de nós, do nosso sofrimento psíquico. São pequenos sintomas do mal-estar na civilização.

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Na padaria

Por Maíra Tanis

Sábado de manhã acordo com um dia lindo de outono. Vou até a padaria que fica a uma quadra de minha casa tomar um café da manhã de fim de semana. É daqueles balcões onde os clientes ficam em pé, para tomar um café, um suco, comer um sanduíche – de pé mesmo -, as vezes o balcão fica bem cheio de gente, mas sempre dá para se apertar um pouco. Como era cedo, cheguei e fui me acomodar no lugar de sempre, mais perto dos pães. A Ivonete já veio sorrindo, com caneta na mão, pegando a comanda que deixei sobre a bancada de aço e perguntando: o de sempre? Sorri, disse que sim. Nem bom dia era preciso. Ela sabe que eu gosto de minas na chapa na canoa bem torrado, café com espuma de leite e água com gás.

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Machado de Assis e a desrazão

Por Luciana Saddi

Não faz muito tempo, num sábado à toa, meu filho me pediu “Dom Casmurro” de Machado de Assis. Disse que era leitura para a escola. Fiquei comovida em saber que ele leria os mesmos livros que um dia li. Algo de continuidade no tempo, de circularidade do tempo, promovia um encontro além dos nossos tempos. “Dom Casmurro” costurava nossas gerações, mãe e filho e Capitu e Bentinho se encontravam numa tarde qualquer de um sábado fresco. Acreditei que o livro estivesse em algum lugar da estante desarrumada, eu lera “Dom Casmurro” na mesma idade do garoto, talvez o livro ainda estivesse em casa, trinta anos depois. Lucas foi a procura do livro, se enfiou no quarto…era tudo silêncio. Será que ele tinha encontrado o antigo volume de couro verde, capa dura, que eu herdara de meus pais?

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